A história não começa no 3º direito. A hora tardia que já cai sobre a noite do Edificio não marca o principio dos acontecimentos. Daqueles acontecimentos que fazem questionar a racionalidade de tudo o que se vai retratando. Porque tudo isto tem uma lógica, um seguimento, uma ordem. E a chave para o que agora acontece não foi despoletada no beijo que Ana troca com a sua companhia desta noite. É um beijo intenso. É um beijo desejado. Sabe a tinto, sabe a licor, sabe a muito álcool. É um beijo fogoso, que queima na pele das duas pessoas que engolem a boca do parceiro na breve viagem de elevador até ao terceiro andar do Edificio Magnolia. Mas é um beijo que não começou aqui. Tudo o que este beijo significa é um desejo alimentado horas antes. Longe deste prédio. Longe desta rua.
A noite estava planeada. Muito bem planeada. Ana tinha a máscara nocturna vestida. Ostentava um ar mais fluído, mais extrovertido que numa noite normal de acompanhamento. O seu cliente é uma antiga recordação, dos tempos em que trabalhava no clube. Uma recordação breve, fugaz e não muito apelativa. Não se pode dizer que o homem era mal parecido. Tinha o seu charme, tinha a sua lábia. Tinha lábia a mais. Tinha uma carteira cheia de notas e um sexo vazio de paixão. O cliente de Ana desta noite é um péssimo amante. Vê as mulheres como um acessório e limita-se a receber o prazer que elas lhe possam entregar. A solução é efectivamente uma mão cheia de notas e acompanhantes que estejam dispostas a dar-lhe esse prazer. Numa noite normal, Ana não queria repetir um segundo encontro com este cliente. Mas o convite para uma festa numa quinta dos arredores da cidade, deu-lhe um novo ânimo. Ana não se considera adepta de festas sociais. Não se entusiasma com bonecas que mais do que procurarem diversão, fama, envolvencia com pessoas da alta roda social, tentam encontrar o caminho mais curto para um sucesso ilusório. E Ana desconfia quantos broches é que uma boneca dessas precisa fazer para chegar ao fim desse curto caminho. O seu cliente já lhe explicou. Ele é director de marketing e relações públicas de uma empresa de comunicação social. Mas Ana tem um negócio. A máscara que agora a adorna é um negócio. E o sexo oral e todo o prazer adjacente das suas noites procuram bem mais que a fama. Não. Ana não está ali pela festa em si. A acompanhante tem um fetiche. Jornalistas. A festa tem no seu rol de convidados uma enorme lista de jornalistas que enchem as redacções de jornais e estúdios de televisão. E dos seus tempos de profissional no clube privado de acompanhantes, Ana guarda a memória de noites fantásticas com jornalistas. Não só pelo sexo. Pela forma desinibida de se entregarem, pelo carácter sério mas extrovertido de muitos deles, pela postura deles perante uma mulher que, no fundo, os acompanha. O seu cliente não é jornalista. Longe disso. O cliente de Ana prometeu pagar-lhe ao final da noite três notas grandes pelo acompanhamento. O que o homem se esquece é que Ana não negoceia. Não fala sobre valores monetários. E esse foi o erro crasso do homem que contratou uma acompanhante demasiado especial.
Já era impossivel retirar o olhar. O seu cliente entreteve-se numa conversa longa e aborrecida com um accionista de uma importante empresa na área da televisão. Apesar de ter feito o seu papel e cumprimentado com a elegância exigida as pessoas que se aproximavam do seu cliente, cedo Ana se demarcou daquela atitude de fantoche. E depois de um copo de champanhe, depois de vários passos em redor do jardim onde decorria a festa, Ana cruzou-se com um olhar intrigante mas sensual. Ela conhecia aquele olhar. Não era surpresa o calor que lhe invadiu o corpo, depois de um arrepio na espinha. Ela conhecia-lhe o nome, o sorriso, a voz sedutora, a forma delicada com as suas mãos se movem. E quando os olhares se trocaram, Ana aproximou-se. Chamava-se Elisabete. Jornalista de um canal de televisão, figura presente em algumas emissões, imagem apetecivel a milhares de curiosos telespectadores. Homens e mulheres. E aquele era o fetiche de Ana. Cativar jornalistas. Não importa o género sexual. E para a acompanhante, o processo era simples. Ana tem um instinto natural em lidar com eles. E a própria Elisabete estranhou tal facto. Por estar sozinha, também ela se abriu a uma bela jovem desconhecida. Quem suspeitou da empatia que foi criada entre as duas mulheres, é porque efectivamente, não conhece as reais capacidades de Ana.
O empregado que circulava pelo jardim passou diante delas. Ana fez questão de oferecer champanhe à sua nova amiga. Elisabete não se fez rogada. As maçãs do seu rosto transpareciam a sua sede. A conversa desenrola-se. Parece banal. Mas é uma conversa viva, emocionante, reveladora da aproximação que se gera. Mas no fundo, ambas sentem que ali estão a perder o seu tempo. A troca de olhares que as enfeitiça demonstra isso mesmo. Aquele sitio é falso. Aquele sitio é aborrecido. Aquele sitio não é mais que um ponto de encontro. Elisabete, mulher bonita e misteriosa, elegante e voluptuosa, trintona e madura, dá o primeiro passo. Espalha pelo jardim todo o seu perfume e chama Ana para prosseguir o caminho dela. Para bem longe dali. As duas mulheres já estavam na escadaria do edificio-mor do jardim, quando Ana se lembra que aquela noite tinha um propósito bem diferente. Segurou a mão de Elisabete, trocou brevemente o olhar com ela, pedindo que aguardasse uns momentos. Em passo confiante, dirigiu-se para junto do seu cliente, que mantinha agora uma conversa com duas mulheres fúteis. Ana colocou os lábios junto ao ouvido do homem. E mesmo que ele ficasse surpreendido, não conseguiu esboçar uma reacção perante a decisão da sua acompanhante. Ana cancelou todo o serviço. Sem pagamento, sem nada que pudesse deixar alguém em divida. E desta forma, com uma confiança exacerbada e uma ansiedade a despoletar dentro de si, Ana saiu daquele espaço e voltou para junto da sua nova amiga.
Foi o automóvel luxuoso de Elisabete que levou as duas mulheres para um destino já traçado. Ana sentia que se identificava com a mulher. Não era paixão, nem tão pouco ilusão. A jornalista seria apenas uma mulher que iria completar a sua noite de uma forma bem mais intensa de que o seu cliente poderia transformar. E Ana nem a via como cliente. O carro leva-as pelas avenidas da cidade. Eram notórios os sorrisos, as pequenas palavras que se trocavam, os olhares cristalinos. Era inegável. As mulheres desejavam-se. Porque o pior de ter saído da festa foi o facto de faltar um pouco de álcool, aperitivos e doces, alguma coisa tinha que ser feita para compensar o défice de um sabor doce nas bocas das mulheres decididas. Paragem num posto de gasolina. Ana entrou na loja de conveniência e adquiriu os acessórios de uma noite que prometia. Vinho. Tinto. Chocolates com licor. Cereja. Ana fez questão de abrir as duas embalagens, deixando a condutora sedenta de provar os sabores apaixonantes. Condução segura. A viagem prosseguiu e mais uns minutos elas entravam na rua do Edificio Magnólia. Por esta altura, a mão da jornalista já tinha provado o toque das pernas da acompanhante. Ana suspirou e nem sequer conseguia esconder o quanto desejava a mulher.
A história não começou no 3º direito. Ainda assim, o beijo que elas agora partilham no elevador desvenda uma paixão que agora se incendeia. Mas não é possível deduzir o que Ana disse à jornalista para a capturar nos seus braços. Porque não pode ter partido só de um olhar. Não pode. Ana segura na sua mão a garrafa de vinho tinto e os chocolates com licor de cereja. Elisabete envolve os braços na sua nova amante. Os peitos apertam-se mutuamente e o calor ferve na pele das duas mulheres. Enquanto prova os lábios finos da jornalista, Ana pede-lhe num sussurro que lhe roube as chaves da mala. São os dedos de jornalista que abriu a porta do apartamento da jovem. São as mãos de Ana, que numa ansiedade descontrolada levam directamente a mulher para o seu quarto. Sem rodeios, sem seduções típicas de acompanhante. Aquela mulher é sua.
Despida em cima de uma cama estranha. Reconfortada em braços meigos. Elisabete sente-se uma mulher especial, numa noite diferente. Ela é uma mulher vistosa. O cabelo preto liso e arranjado confere-lhe um ar extravagante. A face morena e revigorante não é divina. Mas o sorriso que está preso à sua face absorve todas as atenções. De estatura média, com uns ombros confiantes, ela apresenta um busto saliente, suave e apetitoso. São duas mamas que descaem pelo seu tronco numa firmeza estonteante. E tudo o resto em Elisabete são curvas sensuais que, efectivamente, deliciam o olhar de Ana. A acompanhante admira o corpo nu da sua amiga. Ela ainda não conseguiu perceber se recebe aquela jornalista como amante ou como cliente. Uma coisa é certa. Depois de despir-se, exibir o seu corpo fulminante ao olhar de qualquer adulto e levar à boca um bombom, de uma forma vagarosa, Ana tem a garantia de que o seu prémio já foi conseguido.
As pernas da jovem a envolverem o corpo da jornalista. Os sexos húmidos a aproximarem-se mutuamente. Os mamilos a tocarem-se e a transportarem arrepios por todos os cantos dos corpos. As mãos da mulher a acariciarem as costas da acompanhante. O pescoço quente de Elisabete. O olhar ansioso de Ana. A raiz dos cabelos pretos da jornalista a suarem. As maçãs do rosto da jovem a ruborizar. Um abraço envolvente e sorrisos. Os corpos nus e desejo. Os dedos de Ana a segurarem um bombom e este a desfazer-se na boca das duas mulheres. É um beijo saboroso. O licor espalha-se nas línguas que se enrolam. O sabor da cereja que escorre nos lábios sedentos. E os olhos cerrados das duas amantes imaginam muito mais que o fervor daquele sabor.
É um trago de vinho. Tinto. Despejado do gargalo da garrafa para os lábios doces de Elisabete. Escorre pelo queixo. Desenha um fio escarlate pelo pescoço suado e viaja até ao vale por entre os seios. Descobre a boca da acompanhante que beija convictamente a pele sarapintada da jornalista. Ana segura as mamas como duas bolas de cristal. Os mamilos quentes de Elisabete adivinham a sede da jovem. Porque ela beija-lhe os seios como se nunca tivesse provado a tentação feminina. Como uma menina que descobre revelações intimas. E os ligeiros gemidos de Elisabete misturam-se no sabor de Baco, na intensidade do chocolate forte. Porque a sua boca engole o licor. E Ana amacia toda a jovialidade das mamas da amante.
Como um rio sem margens. Como água fértil de desejo. A barriga de Elisabete sente o toque tépido do vinho que continua a escorrer pelo seu corpo. Pinga da ponta dos seus mamilos e aterra na testa pálida de Ana. A jovem aprecia os contornos da vagina da jornalista. Pressente as vibrações que os lábios grandes desenvolvem assim que sentem o toque inusitado do chocolate que roça pelo intimo de Elisabete. E enquanto continua a entornar a bebida alcoólica para a sua boca, a mulher, sentada, delira com a boca da acompanhante a lamber-lhe a rata. Uma língua aguçada, uma vulva esfomeada, licor misturado no vinho. É uma explosão de sabores que brota na boca de Ana.
Os olhares voltam a trocar-se. Criam uma sintonia sinistra, tendo em conta que as mulheres se conhecem há um par de horas. Ana já lhe conhece os traços. Elisabete tem consciência do seu desejo intimo. E a cama tem espaço suficiente para as mulheres se estenderem. As pernas dobram-se ligeiramente e abrem-se a uma largura suficiente para deixar espaço à amante de se colar ao sexo. As mãos fincam na colcha, seguram a força dos braços que fixam o corpo na diagonal. Os peitos de ambas as mulheres ardem, mas no seio que une as ratas de Ana e e Elisabete, há um vulcão que explode constantemente. É uma erupção que é despoletada pelo chocolate que derrete por entre os lábios vaginais. E Elisabete volta a gemer. A sua pele liberta o suor de tanto prazer. Ana liberta o seu corpo. Porque a noite não estava planeada assim. Um serão seco, em que o prazer tinha que ser procurado, dá lugar a uma fantasia que acontece. Que se desenha na mente de Ana e se materializa numa mulher fogosa, diante de si.
A jornalista jamais o poderia imaginar assim. Um corpo feminino. Nu. Deitado na cama. Pernas abertas. Pele sedosa a vibrar. E uma intensidade que lhe é entregue só assim. A experiência lésbica de Elisabete revela-se um acontecimento maior do que a sua imaginação conseguiria transformar. Mas a sua calma, a sua postura, a sua experiência de uma área tão comunicativa, leva a mulher a continuar a paixão. As suas mãos delicadas e vividas roçam nas coxas da acompanhante. Os sorrisos espalham-se pela cama. Entrelaçam-se nos gemidos incessantes de Ana. Os corpos estão envoltos em vinho, suor, licor, chocolate e fluidos íntimos. Os corpos colam-se. Os corpos estão pegajosos. Mas a loucura que invade as duas mulheres não as impede de experimentar os sabores que estão ao dispor delas. Elisabete retira o penúltimo chocolate da caixa, desembrulha-o e mostra-o à sua amante. Ana acaricia os seus seios, aguardando pelo prazer absoluto. Elisabete leva o bombom aos seus lábios e dá um trincada ligeira. Retira-o novamente da boca e depois de se encostar ao espaço por entre as pernas da jovem, abre o chocolate, com se de um ovo se tratasse. A três palmos do ventre de Ana, a racha no chocolate deixa passar o liquido, que cai um pouco acima do clitóris da acompanhante. E o licor é uma ignição no intimo de Ana. Incendeia a pele sensível, estilhaça os nervos no seu interior e faz entrar em combustão a mente dela. Gemidos seguros pelos lábios. Gritos soltos pela garganta. Respiração descontrolada no peito da jovem. Dedos da mão esquerda da jornalista no brinquedo de desejo alheio. E o licor flui por entre as paredes vaginais como lubrificante. E Elisabete delicia-se com tal sabor. E Ana deixa de ser acompanhante. Veste a sua máscara diária e entrega-se à mulher como uma jovem que apenas quer gozar e partilhar o seu orgasmo. Os dedos dela apertam as suas mamas pegajosas, de forma a resistir à explosão que o seu corpo liberta. Tudo nela estilhaça. Todas as energias confluem na rata dela, que é lambida pela boca de Elisabete e molhada com os bombons apetitosos. E quando os seus pés fincam no colchão e fazem elevar as suas ancas, deixando as nádegas húmidas de suor à mercê das mãos da jornalista, tudo cede. Ana vem-se. Ana entrega o seu orgasmo à mulher que apareceu na sua noite de trabalho. Ana espalha o seu prazer pela cama que testemunha tantas noites confiantes com clientes. Com aquela mulher, Ana está desprotegida. E vem-se.
Não era suposto ter acabado assim. O plano seria sair aborrecida da festa, trocar umas palavras banais com o director, beijá-lo no carro, subir com ele para o seu apartamento, galanteá-lo na sala, ser galanteada, esperar um pedido mais ousado dele, ser comida com ele, procurar um orgasmo, esperar que ele pedisse para sair, espreitar o envelope branco. Até despir a máscara nocturna. Mas com aquela mulher a repousar ao seu lado, por debaixo da colcha suja de licor, chocolate e vinho tinto, ela está confusa. Não sabe quando deixou de ser acompanhante. Não sabe se o deixou mesmo de ser. Não sabe se Elisabete percebeu que ela era prostituta. Não quer que a mulher a veja como uma puta. Porque a noite foi intensa, foi diferente, foi inesperada. E no meio de uma enorme dose de paixão, de um trago de carinho, de uma dentada de desejo, Ana quer adormecer com a sua conquista até amanhecer.
- Acordas comigo amanhã? - pergunta Ana.
- Não sei. Queres que eu acorde?
- Era a única coisa que te podia pedir.
- O que me queres pedir mais?
- Nada....Apenas que me dês o resto desta noite.
Elisabete sorri. Um sorriso supremo. Terno. Meigo. Apaixonante. Assim que os olhos lhe pesam, assim que ela fixa a imagem da jornalista, da mulher fogosa ao seu lado, deitada na sua almofada, Ana hipnotiza-se em pensamentos indefinidos. Elisabete é a mulher que lhe vai preencher os seus sonhos. E tê-la ali despida, húmida e satisfeita é mais do que um prémio para a jovem acompanhante.
Um envelope branco. O sol a despontar nas brechas da janela do quarto. Um acordar vagaroso e diferente. A luz bate na testa de Ana. Ela desperta os olhos e imediatamente roda a cabeça. A sua companhia não está. Elisabete saiu. Em silêncio. Vagarosamente. Secretamente. Por um lado, Ana já estava à espera de tal atitude. O envelope branco em cima da mesinha de cabeceira, preso ao último bombom com licor de cereja é que a surpreende. O olhar fixa-se no papel, não querendo acreditar que Elisabete lhe quis pagar. Como sabia ela do envelope branco? A jornalista sempre soube que ela era acompanhante? Isso mudou algum sentimento na noite de ontem? Os seus dedos sujos abrem o envelope. Lá dentro estavam a maioria das suas respostas. Uma nota grande. Um bilhete. "Eu sou casada e tu és linda!" E apenas sobra uma sensação estranha de por uma vez, não querer ser acompanhante. A história não começou no 3º direito. Foi despoletada quando Ana ofereceu um copo de champanhe e um aperitivo a Elisabete e confessa "Não vejo a hora de sair daqui". E a melhor resposta que obteve foi "Comigo?"