sexta-feira

Trespassa-se

Publicado a 09-02-2009
É uma emoção tão forte que trespassa. O coração. A alma. O corpo. O ar. É uma sensação tão imensa que trespassa. O lugar que ocupamos. O sitio onde vivemos. O mundo que nos abriga. É um pensamento tão surreal que trespassa. O que fomos. O que somos. O que queremos ser. É um estado passageiro que se enraíza nos nossos pertences. No material. No sentimental. No inconsciente. No subconsciente. E quase conseguimos vislumbrar uma outra representação de nós mesmos, quando algo tão intenso nos trespassa como esse estado. Julgar que se está a amar.
Dois copos. Vidro frágil erguido numa base que sustenta um pé. A duplicar. Gotas que caem. Gotas finas que jazem no liquido tinto. E o chão molha-se numa vagarosidade agraciada a quem se quer esconder do resto do mundo. No topo do Edifício Magnólia, a chuva de Maio cai com uma leveza praticamente redentora. No terraço do prédio, é possível avistar as nuvens carregadas a sobreporem-se a um tímido céu azul, que não se decide sobre o que quer fazer. Lúcia e Luísa partilham. Um copo de vinho tinto pousado no chão. Um olhar silencioso que não cessa. Um sorriso inebriante que as aproxima em câmara lenta, mas que as mantém separadas pela certeza do que ainda se tem. As gotas de chuva vão caindo sobre a cabeça delas, sobre os seus ombros, sobre as mãos que se pousam no colo das pernas, sobre as pernas que se dobram de forma a sentar o rabo no chão. Não está frio. Está morno. Não está desagradável. Sabe muito bem estar ali.
- Achas que um mês é muito tempo? - pergunta Luísa.
- Conheço casais que estiveram separados anos a fio. - responde Lúcia.
- Um mês é pouco tempo?
- Ainda o amas?
- Isso não chega...
- Tem que chegar... Se o amares, talvez não tenha que haver um fim...
Elas ainda continuam a encontrar-se. Conseguiram segurar algo que as mantém unidas. Lúcia confirmou que aquela mulher não pode ser uma mera aventura passageira. Parece achar que descobriu nela aquilo que precisa. Ela quer tornar Luísa no seu refúgio apaixonante. Uma mulher fascinante, fotógrafa polivalente - entre as imagens urgentes das noticias do dia e as capturas profundas a preto e branco de nus - e uma amante madura e misteriosa. Casada, sim. Mãe, sim. Fora de um contexto de mulher solteira, descomprometida... sim. Absolutamente. Mas Lúcia gosta deste fascínio. Mesmo que seja demasiado arriscado. Mesmo que só lhe possa trazer dissabores. Mesmo que se sinta a entrar numa corda bamba e que do outro lado, estivesse o amor que ambiciona. Vestida casualmente, Luísa apresenta-se no espaço da sua amante de uma forma descontraída. Como se quisesse evadir-se do seu mundo e vê-lo por outro prisma. Está sentada no chão, ciente do redor distante. Tem a máquina fotográfica do seu lado direito e o copo de vinho do lado esquerdo. Mantendo o olhar em Lúcia, ela pega na bebida e dá um trago forte.
- O que sentes tu?
- Eu?!... - pergunta Lúcia, surpreendida.
- Sim, o que sentes tu neste momento?
- Não é fácil falar sobre isso.
- Porquê?...Tens alguém na tua vida?
- Tenho-te a ti...agora...aqui...e isso sabe-me bem...
- Sim...mas...
- Achas que estou iludida?
- Não... E mesmo que estivesses... Talvez isso fosse bom sinal...
Gera-se um novo silêncio. Luísa aprecia o vinho. Lúcia pega também no copo e procura copiar o gesto da mulher. A jovem olha para a sua parceira e tenta capacitar-se do que conquistou. Como conquistou. Porque conquistou. As duas mulheres tentam entender-se mutuamente. Começou numa conversa sobre o marido da fotógrafa, mas ainda assim não é sobre isso que Luísa queria falar. Ela quer conhecer a sua amante. Saber quais os desejos e as fantasias da jovem. Desvendar o que poderá ela conceber sobre uma aventura que se vai transformando.
- Eras capaz de amar uma mulher casada?
- Eu nunca disse que te amava...
- Pois não... Mas também não disseste que não amavas.
- ...Sim...era capaz... Porque não?... Não estás casada...Estás separada...
- Tenho um filho...
- Seria possível... Só quero que saibas isso... Seria possível criar um sentimento tão forte que conseguisse suportar tudo isso.
Mais um gole, mais um espaço de tempo em que há capacidade para raciocinar. Mas o vinho é forte e a chuva vai caindo. Lúcia quer beber o vinho que a sua amante trouxe para partilhar. Mas ela apenas consegue molhar os lábios. Elas estão tranquilas, ainda que influenciadas pelas circunstâncias. As de tempo. As de espaço. As de consciência. Luísa olha fixamente para a anfitriã e parece ela própria tirar-lhe uma fotografia com os seus olhos escuros.
- Doeu muito? - pergunta Luísa.
- O quê?!!
- Aquilo que te magoou aí dentro...Doeu muito?
- Trai...fui traída... fui amante e cúmplice... E tudo isto por causa de uma única pessoa...
- Já perdoaste?
- Ainda não fui perdoada...
- ...E o que sou eu para ti no meio de tudo isso, Lúcia?
Luísa é uma mulher perspicaz. Cria atalhos para chegar ao que pretende. Mergulha no olhar da jovem com astúcia e arranca dela os sentimentos fortes, crus e violentos que estão presos dentro dela. Lúcia não é ingénua. Entende que a mulher já percebeu. A fotógrafa estará a tentar descodificar se diante de si tem uma menina que se ilude na sensação de a poder vir a amar ou se está uma mulher ferida por alguém que julgou amar e ainda não conseguiu esquecer. De uma forma ou de outra, Lúcia está no limite do seu desejo, distante das suas certezas, mas ciente do que pode ter.
- Faz amor comigo... Por favor, eu quero que faças amor comigo.
Sentada no chão, entregue a um arrebatamento voluptuoso, Lúcia pende o seu tronco para a frente, na busca de sentir a boca, a pele, o corpo de Luísa. A mulher aceita-a. Ainda com o copo na mão esquerda, escorrega o seu rabo e com essa mão, traz a cabeça da jovem para junto de si. Na chuva que cai, na quietude do lugar, na improbabilidade de alguém surgir, na indefinição do tempo previsto, as mulheres beijam-se, afirmando a convicção de desejarem os lábios mutuamente. Os braços envolvem-se. O esquerdo de Luísa envolve todo o pescoço da jovem e o direito avança pela barriga da amante. O direito de Lúcia quer aproximar a fotógrafa, puxando as coxas com força, e o esquerdo faz levar a mão até ao peito da mulher. A postura de Luísa avança ligeiramente sobre o peito da inquilina. É a sede que a move. É a efervescência que ela sente quando prova os lábios fofos de Lúcia. A jovem quer ser consumida. Quer experimentar o fervor de novidade que ainda resta em Luísa, ao assumir a aventura lésbica. Atrás da moradora do 2º esquerdo está a parede do terraço do Edifício. Serve de resguardo, de esconderijo, de refúgio inusitado e perverso para aquele desejo que agora se derrete. O beijo é forte. Pressiona as bocas, inflama os lábios e cola as línguas que se misturam no deleite de um gesto tão simples mas complexamente profundo.
- Não pares...não pares de me beijar....
Mas Luísa pára. A sua boca de lábios finos, já gastos do baton vermelho com que se apresentou na morada da amante. Beija a maçã do rosto da jovem, lambe a orelha, desviando os cabelos negros molhados. Goteja por cima dos corpos febris, mas elas não sentem. Ouve-se o ruído vindo da rua, que antecipa a hora de ponta na cidade. Sente-se uma tesão inigualável a invadir os corpos femininos. Finalmente, Luísa pousa o copo no chão, libertando a mão para cariciar toda a face de Lúcia e olhá-la frontalmente. São as mãos carinhosas da mulher que fazem a jovem voar. Estão frias mas vibrantes. Os dedos longos e finos atravessam o pescoço para o envolver e finalmente fazer colar as palmas das mãos na pele meiga de Lúcia. Um beijo doce na testa, uma sucção leve no nariz, um chupão no lábio inferior da morena lésbica. Luísa apodera-se da leveza da jovem. A fotógrafa já está no colo da amante. Põe os joelhos no chão ligeiramente molhado e sente as mãos de Lúcia deslizarem pelas suas costas. Luísa veste uma camisola castanha justa ao corpo, deixando salientar as formas sensuais da mulher de trinta e três anos. É o que está oculto por debaixo das peças de roupa da amante que Lúcia começa a querer desvendar com as próprias mãos. Quando os dedos tocam no rabo da mulher casada, coberto com as gangas, Lúcia volta a subir. Puxa a camisola para cima, ao sabor da forma como ela a beija. Porque Luísa adora beijá-la. Derrete a rapariga com beijos pelos lábios, pelo queixo, pelo pescoço. A camisola da fotógrafa vai sendo despida e a excitação aumenta. E quando ela sente que o seu peito é descoberto, ficando apenas um soutien branco a envolvê-lo, Luísa fica fora de si. A sua boca fina mas impetuosa chupa a pele do pescoço da jovem, próximo do peito e não larga. É como se o vampiro domasse a sua presa.
- Ohhh...Luísaaahh...uhmmm...estás a exc....
Lúcia já não se contém. O veneno acaba de ser expelido e ela sabe que vai deixar marca. O tom de pele ligeiramente moreno dela vai ruborizar com aquele chupão supremo. Entusiasmada pela entrega de paixão, a jovem esquece a camisola de Luísa e volta a arrastar as mãos pelo tronco da mulher. Toca-lhe na pele macia. Porque Luísa tem uma pele de menina. Muito pálida e muito gentil. Ser tocada por umas mãos meigas é uma conjunção que cria tesão em todo o íntimo da fotógrafa. Mas Lúcia quer alcançar mais. Os dedos fecham-se e agarram as calças. Com alguma veemência, a jovem puxa a peça de roupa inferior para baixo, desguarnecendo as nádegas tímidas mas sensuais da amante. Apenas a peça íntima da lingerie branca salva o rabo apertado de ficar absolutamente exposto na sua nudez às gotas de água que teimam em cair. Luísa arrepia-se. De uma forma tão intensa que fecha as mãos no peito da amante. As mamas de Lúcia são envoltas pelas palmas dos membros da mulher. E Luísa volta a beijá-la. E Luísa suga a língua dela. E Luísa aperta os seios voluptuosos da jovem com um tamanho querer, que quase rasga a camisola preta, bem decotada. Sem roupa interior, o relevo mamário de Lúcia desnuda-se e apresenta-se com imponência perante o olhar da convidada. Um sorriso abre-se no rosto terno de Luísa. O seu gesto agressivo desvendou aquele peito ansiado. Porque a fotógrafa tinha a imagem desconcertante dos seios da jovem, fixados na sua mente. Ela precisava de os olhar. De os sentir. De lhes tocar com os dedos e apertar os bicos. De envolver as mãos e vibrar com a pele sedosa. De enterrar impetuosamente a face no vale apertado do peito de Lúcia. Os gemidos da lésbica são apenas um sinal de que também ela ansiava por poder voltar a sentir a paixão de Luísa.
- Eu só te quero...ohhh...eu só te quero sentir....
Uma das mãos de Lúcia empurra a nuca da amante em direcção ao seu peito avantajado. A outra mão, aquela que está mais frenética, faz deslizar os dedos pelas nádegas da mulher. Passeiam na pele suave do rabo firme. Deslizam pela brecha apertada, ainda assim coberta por umas pequenas cuecas. Empurram o tecido puro dessa peça de roupa interior, na procura de alcançar algo mais. Mergulham na carne quente, ansiando por chegar a bom porto. E neste processo, dois dedos resistem ao espaço que é concedido. O polegar decide avançar por outro caminho. Luísa também é inusitada, atrevida, ambiciosa. Ao mesmo tempo que saboreia o deleite das mamas da jovem, ela faz percorrer a sua mão esquerda pelo corpo da amante. Lúcia ainda está vestida, mas a fotógrafa consegue sentir a leveza da carne do seu corpo. De tal forma que ela sente uma vibração a percorrer o abdómen de Lúcia. E ao chegar à cintura dela, Luísa entende que toca um corpo vulnerável. Porque o ambiente, a chuva, um pedaço de álcool frenético, a ânsia de querer aquilo que sempre se desejou, faz trespassar pela roupa de Lúcia uma sensação única, a ponto de se apoderar do seu desejo. E a mão fria de Luísa irrompe pelas calças de ganga dela, já depois de ter aberto o botão que colava a peça de roupa à cintura. Ao sentir a mão gélida e húmida da amante a envolver o seu íntimo meigo e quente, a jovem solta um suspiro, comovida pelo toque gentil mas incisivo nos seus lábios vaginais. Unidas mutuamente por um desejo manipulador, absorvidas na sensação de poderem ser divinamente tocadas, as mulheres olham-se compenetradamente. Corroem o cristalino dos olhos da parceira e invadem o seu interior. Atiram-se na profundidade do ser que lascivamente necessitam e escorregam pelos meandros desse querer. E num abraço surreal, numa simbiose transcendente, numa fundição metafísica, Luísa e Lúcia trespassam o limite do desejo. Porque depois deste olhar, elas embarcam num beijo sublime, com os olhos cerrados e com a convicção de que até acordarem, estão entregues ao instinto do tacto.
- Beija-me!... Faz-me sentir que queres ser minha....Beija-me, Lúcia!
A chuva purifica a voluptuosidade. O cheiro da cidade desperta a fantasia. A vibração dos corpos latejantes torna-as mais vivas do que nunca. No momento em que as duas amantes alcançam o orgasmo simultâneo, tanto Lúcia como Luísa sentem-se mais vivas do que nunca. Como se um rugido brotasse do mais íntimo que detém e se impusesse na necessidade de serem discretas.
- Ohhh...não pares....Ohhh...Lúcia...estás a pôr-me louca...oohh, siiimmm...aahhh...és lindaaa!
- Uhmmm...sim...és minha!...Eu sinto que és minha!...Oohhhh!!...
Porque os dedos da jovem masturbam Luísa com afinco pelo facto de o braço dela sugar toda a energia e vibração proporcionada pela tesão da sua rata. A fotógrafa movimenta três dedos finos por entre os lábios vaginais de Lúcia até ao limite. De cada vez que os tira, traz a palpitação e os sucos intensos que jorram abundantemente da vulva dela. E nesta transformação, o corpo de Lúcia é uma fonte de deleite, que faz a sua pele, os seus músculos e o seu coração vibrar com um magnetismo quase incontrolável. Assim, para além dos lábios dela que tremem compulsivamente, para além do olhar que brilha genuinamente, Lúcia sente as mãos a quererem suportar aquela excitação. É neste jeito que os dedos da mão direita da anfitriã se dividem entre a perfuração na rata da amante e a carícia com o polegar no ânus de Luísa. E tal gesto só pode deixar a mulher bissexual completamente fora de si.
Praticamente, elas não estão nuas. Decididamente, elas envolvem-se carinhosamente. Decididamente, este auge tornou-se um expoente máximo na vivência sexual e íntima de cada uma delas. Lúcia recebe o corpo da amante com carinho, com estima, com dedicação. Luísa embrulha-se no corpo quente e carnudo da jovem, com a certeza de se sentir amada, acarinhada, valorizada. Lúcia redefiniu a sua visão sobre o amor e incorporou uma nova confiança acerca da possibilidade de resgatar o coração feminino, numa mulher única e singular. Luísa redescobriu uma nova forma de procurar paixão, numa pessoa do mesmo sexo. Naquele abraço, naquelas caricias que eram trocadas, naqueles beijos repartidos entre os lábios e os seios, as mulheres guardam cada instante como eterno. Cedo Luísa tem que regressar à sua vida e esforçar-se para não ceder à tentação de dormir no 2º direito. Cedo Lúcia tem que acordar para a realidade e voltar para o seu lar, ainda vazio de algo mais duradouro. Mas até lá, existe algo de sublime na união destas duas mulheres.
- Não sei se te amo... neste mesmo instante... Mas sei que é de ti que preciso... É contigo no pensamento que adormeço e que acordo....
- E aquilo que te magoa?... Não vai interferir?
- Estás aqui comigo, Luísa... É só isso que te posso demonstrar... Estares aqui comigo é mais importante do que qualquer coisa que me pudesse ser concedida...
- Mesmo se eu voltar para ele?
- Quero que sejas feliz... Não quero prejudicar a tua vida...Se isso implica teres a tua família... Se achares que o melhor é voltar para ele....Eu irei entender. Eu irei apoiar-te... Só quero que saibas que eu continuarei aqui...
- Isso parece-me tão forte...Até para alguém tão madura como tu, Lúcia.
- Fazes-me bem...
- Acho que consigo acreditar em ti...
- Vais voltar para ele?.....
- Ainda não..... Para já, ainda não....
Luísa fixa o olhar da amante jovem. Liberta um sorriso reconfortante e prova os lábios inchados de Lúcia. Toda esta realidade parece uma fantasia imensa. A fotógrafa ainda se sente casada. Separada, certamente. Mas com um compromisso pendente. E qualquer decisão seria comprometedora a esta fase. Mas ela não quer perder isto. Não quer deixar dissipar aquele pedaço de tempo, com a mulher mais apaixonante que já teve a possibilidade de sentir, num terraço inusitado, debaixo de uma chuva mágica. Não sente nenhuma razão para abandonar aquele sentimento. Luísa quer acreditar nela, quer sentir que tudo o que está a acontecer tem uma razão de ser. Mesmo que trespasse a sensação de infidelidade. Mesmo que trespasse a ordem natural que o mundo devia seguir. Mesmo que trespasse qualquer ideia de racionalidade. A sua amante lésbica pode até estar iludida por um amor quase impossível de concretizar. Mas por um instante, Luísa quer-se sentir tão fascinada quanto ela.

quarta-feira

Aluga-se

Publicado a 03-02-2009
Quem define o verdadeiro valor intrínseco das coisas? Porque as coisas têm obrigatoriamente que conter um valor. Material, simbólico, contratual, íntimo. A objectividade das coisas que pensamos ou detemos incorporam uma valia, um preço, um custo. E todos nós somos negociadores do que nos apropriamos. Nada nos pertence. Mesmo quando compramos algo ou conquistamos alguém, não nos pertence. Por isso, partilhamos. E a partilha é um jogo de dar e receber. Dar e receber têm implicitos a questão do valor. E o que tem valor, tem preço. E o que tem preço permite obter margens. De perca ou de ganho. Assim, o que define quanto vale o que possuímos? O nosso bom senso ou a necessidade de partilharmos o que, afinal de contas, não nos pertence? Quando uma mulher decide anunciar o aluguer de um pedaço da sua alma e um tempo delimitado do seu corpo, que valor dá ela a si mesma?
Ana sai da casa de banho apressadamente. O seu cabelo ainda está molhado e o seu corpo tem dificuldade em envolver-se na toalha branca. O telemóvel que lhe pertence está a tocar incessantemente em cima da cómoda do seu quarto. Com a água tépida a escorrer nas suas pernas despidas, com a mão esquerda a segurar a toalha com força junto ao peito, a jovem atende o aparelho com a mão direita, sem sequer verificar quem está a ligar.
- Sim?!... Ah!...Olá...como está? Não esperava que me ligasse tão cedo....Não, não está a incomodar... Eu é que não contava que ganhasse coragem tão cedo... Eu?! Receio? Não, está enganado... Este é o meu trabalho e entre nós dois eu sou a pessoa que tem menos a perder...
O tom de voz de Ana espelha a máscara nocturna que ela colocou momentaneamente para falar ao telemóvel. Calmo, quase a sussurrar, ainda assim perfeitamente compreensível. Directo e conciso. Assertivo mas sensual. No entanto, ela ainda tem a sua alma vestida com a máscara diurna. Dentro da casa de banho, a presença masculina terminou o seu banho. Com a toalha envolta na cintura, ele troca o passo avançando para o quarto da inquilina. Ao mesmo tempo, não deixa de prestar atenção às palavras soltas por ela. A alma de Rafael treme com a ideia de Ana estar ao telefone com um cliente.
- ....Como lhe disse ontem, precisamos de acertar todos os pormenores. E não tenho por hábito fazê-lo ao telefone com visitas novas...... Só depende de si... Diga-me o dia e a hora em que possa estar mais disponível e tratamos de todos os detalhes.....
Rafael assiste incrédulo à atitude da sua vizinha. Ana tem mesmo coragem de fazer uma marcação com um cliente, enquanto ele está ali. Porque Ana consegue fazer uma negociação por telefone enquanto aponta os detalhes essenciais num caderno preto pessoal, aproveitando ainda para secar a pele húmida do seu corpo, com a toalha macia. Sentado na cama, Rafael olha para Ana sobre dois pontos de vista. A perspectiva traseira, frontal, sem filtros, em que Ana está meiga, já sem a toalha, com o rabo desconcertante a mover-se gentilmente, ao sabor das acções do seu corpo. A perspectiva frontal, espelhada no vidro da cómoda que reflecte a sua postura, a sua máscara, o seu olhar concentrado, o seu peito lascivo, esbelto e acariciado pela toalha.
- Sim.... E onde quer encontrar-se?.... Não, como lhe disse...Não tenho receio de nada... Com certeza.... Fica então combinado... Fique descansado... Se teve a ousadia de me propor, saberá certamente que guardo sigilo.... Uma Boa Noite então...
Ao mesmo tempo que desliga o telefone, Ana olha para o espelho, confrontando a atenção do instrutor na sua pose. Ela questiona se o olhar dele deseja as suas nádegas mornas e redondas ou se a questiona, cara a cara. A jovem deixa cair a toalha no chão, pousa o telemóvel na cómoda e pega num creme hidratante, elemento fundamental no seu processo de mutação. Gera-se um silêncio perturbante. Ana sabe que ele a está a questionar. Rafael hesita em questioná-la. O momento passado debaixo da água quente soube-lhe demasiado bem, para agora estragar tudo numa discussão sem fundamento e sem conclusão. Ana estava a fazer uma marcação com um cliente, ao mesmo tempo que se prepara para encarnar o seu papel de acompanhante. Ele sabe que naquele mundo, ele não entra. Por isso, engole qualquer provocação da qual se iria arrepender assim que a fúria se dissipasse. Mas a sua amante entende o seu incómodo. Molda os lábios num sorriso ténue, quase trocista. As palmas das suas mãos contornam a face, o pescoço e vagamente o peito, espalhando o creme branco que lhe entrega uma nova aura. Todos aqueles movimentos com o corpo nu parecem excitar o homem.
- O que se passa, Neves?
- Nada...
- Nada?!... É só isso que vês diante de ti?
- Vejo-te linda... Vejo-te poderosa... Vejo-te a mulher mais sensual que já se despiu diante de mim... E vejo que daqui a pouco deixas de ser minha...
Ana gira o seu corpo. O elogio de Rafael ultrapassa o mero conforto das palavras no ego sedento da jovem. A afirmação do homem que está no seu quarto pretende servir de desabafo para a impossibilidade de controlar o querer da acompanhante. O seu vizinho é um cristal frágil quando exposto à voluptuosidade dela. Nem sempre foi assim. Mas hoje assim o é. Rafael é um homem insegura quando confrontado com o olhar e o desejo de Ana. Ela aproxima-se da cama, nua e formosa. Ele está sentado no fundo da cama, ansioso. A jovem abre gentilmente as pernas para as colocar ao lado das coxas dele. Quase que se senta no colo do homem. Quase que encosta o seu peito à face dele. Quase que exige um abraço tenso de Rafael. Ela acaricia os cabelos do amante e olha-o com meiguice. Ele sustém a respiração quando vê os mamilos excitados dela tão próximos dos seus lábios. Ergue a cabeça, comunicando com ela.
- Mas por agora sou tua... Não sou?
- Não... Não és minha... Só me pertences quando tens algum valor para mim...
- E agora?... Tenho algum valor para ti?
Ela não espera uma resposta. Não aguarda sequer uma reacção da alma que se esconde na incompreensão. Ana quer apenas agir. Porque o desejo iniciado há cerca de uma hora, quando a jovem abriu a porta do 3º direito ao seu vizinho e se entregou a ele sem hesitação, ainda está latejante. Aproximando um pouco mais os seios firmes e sedosos, ela obriga Rafael a envolver as suas mãos no seu rabo delicioso. As caricias são doces, atenciosas, convidativas. Um leve gemido solta-se por entre os lábios de Ana que sorriem. Os bicos dos mamilos escorregam nas maçãs do rosto masculino. E quando ele se preparava para beijar o vale do peito, Ana agarra os cabelos com os dedos da mão direita e puxa a cabeça do amante para trás. A mão esquerda dela empurra o corpo dele para o deitar na cama. A inquilina dobra os joelhos e coloca-se sobre o colchão. A sua postura é excitante. Denota-se claramente a procura em obter o domínio sobre o homem que a deseja. É evidente o jogo que Ana demonstra ao caminhar ajoelhada em direcção ao peito do negociador que lhe quer dar um valor inestimável. Nua e excitada, Ana faz escorregar levemente a sua vulva pelo tronco rígido de Rafael. Ele sente o toque. Ele apercebe-se da excitação. Ele aguarda que a valia do seu elogio lhe traga sensações imensas. No trajecto que Ana prossegue, as suas coxas e as suas nádegas são acariciadas com paixão. E não tarda, ela prende os braços esticados de Rafael, deixando que o seu corpo repouse ligeiramente.
- Isso é meu? - sussurra ele, entusiasmado.
- Isto é um pedaço daquilo que te posso dar enquanto me deres o valor que sabes que mereço.
Três segundos servem para Rafael reflectir sobre aquelas palavras docemente soltas. Ana cola as palmas das mãos na parede e sabe o que quer dar. Sabe o que quer receber. E anseia que tudo isso a recompense de um ansiado prazer. Rafael levanta ligeiramente a cabeça e esse movimento basta para que a sua boca toque nos lábios grandes da vagina da sua amante. Ela sorri, ao sentir esse toque terno. Ela deixa a cabeça cair. Apesar de saber que detém o controlo do que acontece, Ana está completamente rendida à fome do seu vizinho. O homem usa a boca com gosto. Espalha o lábio inferior em toda a largura da rata dela. Franze o lábio superior para acariciar o clítoris da jovem. E a língua é intrometida, ao querer arrepiar caminho por entre a delicia da fenda feminina. Rafael adquire agora a certeza de que realmente, naquele pedaço de tempo, naquele recanto, Ana lhe pertence autênticamente. O gemido que ela solta sem inibição demonstra que ele pode prosseguir. A sua língua é longa o suficiente para se intrometer entre os lábios vaginais. As saliências encarnadas da sua boca procuram agora focar-se em chupar o gosto e o aconchego do sexo da jovem. Ana volta a gemer. Procura controlar o seu ímpeto fervoroso, mas o preço que lhe pagam para este instante parece não ter nenhuma cláusula que obrigue à sua reserva. Por isso, Ana geme. Cerra brevemente os olhos e abre a boca. Diante do seu olhar está escuro, está um espaço perdido, do qual ela já não consegue assentar os pés. Dentro de si, está a certeza de que o seu corpo vibra com cada gesto que a língua e os lábios do amante exercem. Debaixo de si não está um cliente. Este encontro não foi marcado detalhadamente, sem margem para erro. Este momento é rebelde, é inesperado, é fruto de uma vontade que ultrapassa qualquer contratualização. Ainda assim, Rafael sabe que o tempo e o espaço contam. Sabe o preço que paga por ter a sua voluptuosa vizinha sobre a sua face. E ela sabe o quanto recebe. Não existe um envelope branco, mas há um valor guardado dentro de si. Ana guarda-o então no cofre mais apaixonante de si mesma. O coração dela palpita e aperta com o minete feito pelo seu amante. Os membros dela tremem e começam a perder força. Rafael consegue soltar os braços e invade as nádegas quentes dela com as suas mãos. Ela está a ser possuída. As ancas femininas movem-se, procurando tornar mais frenético o ritmo das lambidelas que ele pinta na sua rata. Ana move a cabeça, em sintonia com a melodia dos seus gemidos. O clítoris da inquilina torna-se rijo e molhado. A boca de Rafael já prova o verdadeiro sabor que flui dentro dela. E enquanto ele finca a ponta dos dedos na carne do rabo tenro dela, Ana apresenta o seu orgasmo.
- Neves!...Ohhh...Dá-me...Por favor...uhmmm...dá-me!... Sou tua...Sentes que sou tua?!
Ela morde o lábio inferior. Ela cerra os olhos com força. Ela pende a cabeça para frente. Ela arrasta as mãos pela parede. Porque ela acaba de sentir toda a energia que foi solta da boca dele, directamente pelo seu sexo, até alcançar as profundezas do seu deleite. E estes orgasmos, só Ana sabe o valor que têm. Rafael ainda segura ambas as nádegas redondas da amante. Também ele procura confirmar que tal gozo foi possível. Como se tentasse perceber se o seu tempo tinha acabado exactamente no instante em que proporcionou uma viagem inesquecível. Ana volta a compor-se. Senta-se levemente sobre o peito dele e abre corajosamente os olhos. Enfrenta-o, como que a querer confirmar que Rafael sentiu o mesmo que ela. Indiscutivelmente, isso aconteceu. Mas Ana não se considera uma mulher resignada ou satisfeita com tão pouco. Toda a boca de Rafael despertou a libido interior do seu corpo, que a foda no hall de entrada, que a penetração no chuveiro, e que o minete na cama, por si só, não conseguiram satisfazer. Ana sai de cima do corpo do seu vizinho. Atrás de si está um pénis erecto, inchado, indiscutivelmente sedento de voltar a ser presenteado com uma forte acção sexual.
- Fica aqui... - pede ele.
- Não vou a lado nenhum... Ainda temos tempo...
- Eu quero-te!
- Não te mexas...
Deitado na cama, Rafael obedece. O espectáculo ainda lhe está reservado e Ana ainda não sucumbiu às exigências do seu tempo. Ao invés disso, segura a carne erógena do seu amante, com firmeza e convicção, como se lhe sobrasse o tempo de uma vida para se deliciar com aquele capricho. Com o rabo empinado e virado para ele, Ana agarra o pénis e abre um sorriso de satisfação na sua face. Aquilo pertence-lhe. Tem um valor. Foi alugado pela vontade dela, misturado no desejo dele. Assim, Ana pode dar-se ao luxo de decidir o que fazer com a volúpia que segura na sua mão fechada. A picha dele está quente. Dura, escaldante e com uma sagacidade que poucas vezes a jovem teve possibilidade de assistir. Prová-lo é uma hipótese viável. Rafael sempre foi saboroso e assim ela teria a certeza que tinha dado o melhor de si para recompensar este momento. Quando Rafael deixa que a sua mão atrevida escorregue pelo rabo convidativo, Ana percebe que tem de agir. Os dedos dele fazem cócegas no seu ânus e acariciam os lábios vaginais inchados. Sim, mais do que a vontade de pôr o sexo dentro da sua boca, Ana precisa de afogar a sua sede, matar a sua fome, libertar aquela tesão continuamente palpitante.
Rafael volta a ter duas perspectivas. Deitado na cama completamente nu, com o peito ofegante e com os dedos fincados no lençol, ele envolve-se com a sua amante em dois prismas distintos. Ana está sentada em cima da cintura dele, com as costas viradas para o homem, exibindo a sua pele a suar e as costelas tensas, a moverem-se com excitação. Ela é uma mulher doce, atenciosa, apaixonada, quando sente a carne dele entrar dentro de si. Ana está a saltar sobre a picha dele freneticamente, com as suas mãos seguras às mamas que pulam a cada salto e o olhar fixo no espelho da cómoda. Ela é uma mulher selvagem, possuída e praticamente mergulhada numa máscara nocturna oculta, quando sente que a picha dele tem que explodir de prazer. E ambas as perspectivas de Rafael proporcionam um prazer alucinante. E ambos os pontos de vista fazem-no entender que de uma ou outra forma, Ana quer foder com ele até à exaustão. É amor, quando ela se entrega assim, esperando receber tanto como está a tentar dar? É paixão, quando ela sufoca o pénis dele com todo o peso do seu corpo e o aperto da sua rata? É loucura, toda a devoção que ela despeja nos seus gemidos e nos seus movimentos, assim que aumenta o ritmo dos seus pulos sobre a postura dele? É convicção, toda a certeza dela em estar a levá-lo a um prazer inquestionável e absoluto, assim que ela deixa que todo o seu sexo entesado entre profundamente na rata. Porque é forte o jeito com que ele a penetra. É intenso o deleite que ela solta quando se sente cheia. É tudo tão confuso que Rafael não sabe o papel que ocupa ali. É tudo tão incandescente que ele sabe que está prestes a vir-se, quando os dedos meigos da mão de Ana acariciam os testículos saltitantes do homem, ainda inchados. Ela está louca, excitada, imparável. E a jovem encontra nas bolas dele uma forma de descarregar a vibração que todo o seu corpo sente. Ela é meiga no gesto efectuado mas demasiado suave. Ela é carinhosa na acção que entrega mas intensamente excitante. E no exacto momento em que Ana admite o cansaço do seu corpo, ela deixa o pénis dele enterrado e sente ele a vir-se dentro de si. Os dentes trincam o lábio inferior com violência, os olhos fecham impulsivamente e ela só quer aproveitar toda a ejaculação de Rafael.
- Sim...sente-me!!!...Ohhh...És linda!!...Ohhhh...não consigo parar!...Anaaaahhh!!
A vontade dela é recolher forças do mais profundo de si, para se suster naquela posição. O seu anseio é prolongar aquela sensação quente dentro de si. Mas ela não domina o seu corpo e parece desfalecer em cima de Rafael. Ouve-se a respiração da jovem, misturada nos suspiros fortes do homem. As mãos dele envolvem o peito da acompanhante. Ela quer sentir-se acarinhada e confortada, mas o tempo vai escasseando. O casal de amantes entrelaça-se, consumado o derradeiro prazer.
- Confessa... Uhm... Confessa que te dá prazer saber que por este pedaço de tempo, eu fui só tua.
- Sim...
- E que não importa o que eu faço na minha vida...sabes que nunca ninguém te deu tanta luta... sabes que nunca ninguém te respeitou tanto como eu...
- Não sei...
- Eu não sou de ninguém, Neves... Apenas entrego um pouco de mim a quem me dá o valor certo...
Solta-se um suspiro de resignação das narinas de Rafael. Ela percebe que não consegue encontrar forma de colocar o vizinho na mesma ideologia que a sua e liberta-se dos braços e das pernas dele. Levanta-se da cama e abre o armário. Retira um vestido cinza de algodão e umas botas. De uma gaveta, retira uns collants pretos e com um pé empurra umas botas para fora do sapateiro. Senta-se novamente na cama, perante o olhar atento do homem que lhe acabou de proporcionar um fim de tarde delicioso. Coloca gentil e cuidadosamente os collants nas pernas, ainda com o seu corpo praticamente despido. Insere o vestido que lhe deixa parte do peito saliente. O banho refrescou-a, o creme hidratou-a, mas a sua pele tem agora uma tez ruborizada, viva, acesa. Ana calça as botas e já praticamente composta dirige-se à casa de banho. Com o cabelo vagamente arranjado e perfumada, a jovem regressa ao quarto. Rafael ainda está nu na cama, confuso sobre o que irá acontecer. No entanto, ele sabe que o aluguer terminou. Foi esse o tempo permitido pelo valor que ele entregou a Ana. Ela coloca um joelho em cima do colchão e pende o seu corpo para entregar um beijo meigo nos lábios do homem.
- Tenho o direito de perguntar onde vais?
- Tens...Vou ter com uma amiga minha... Uma boa amiga... Marquei encontro com ela para daqui a vinte minutos do outro lado da cidade.
- E o que vais fazer com ela?
- Desculpa?...
- Posso saber o que vão fazer?
- ....Deixo isso entregue à tua imaginação.
O carácter irónico da deixa de Ana coloca Rafael, naturalmente, numa dúvida imensa. Se de uma certa forma, ela não parece ter vestida a sua máscara nocturna, ao mesmo tempo a jovem detém uma ansiedade por ir de encontro a essa suposta amiga. Acreditando Rafael que é mesmo com uma amizade que ela tem marcação, ele não consegue deixar de ficar inquieto à ideia de que o seu tempo de aluguer terminou ali e que brevemente Ana poderá ir, nesta mesma noite, procurar valor noutra negociadora da vida da acompanhante. Informal, descontraída mas sensual, Ana leva o seu passo para fora do quarto. Irá fechar a porta do seu apartamento, descer as escadas do Edifício e apanhar o primeiro táxi que atravessar a rua, com a certeza de que Rafael ficará bem dentro do seu lar. Numa possibilidade demasiado remota concebida pela sua consciência, se ela regressar nesta mesma noite, o homem poderá ainda estar a dormir na sua cama.

terça-feira

Cede-se

Publicado a 20-01-2009
O que é possível ceder que não seja material? Pode ceder-se um espaço comercial, cobrar um valor por uma posição contratual que se mantenha num negócio, colocar um objecto à disposição para posterior dividendo. Colocam-se anúncios em jornais, na internet ou em locais estratégicos, de forma a dar a conhecer a cedência a um possível interessado. E se quisermos ceder a nossa alma? Não é algo material. Não é algo que possa deter um valor comercial. Não é algo que seja passível de negociação para a sua cedência. Se quisermos ceder a nossa alma e por inerência o corpo acarretado, de que forma o anunciamos? E a quem o queremos anunciar? Porque o amor não se cede. Partilha-se. Assim como a amizade ou até mesmo a fraternidade. Mas quando não conseguimos suportar o peso e a responsabilidade de nós mesmos, não partilhamos. Cedemos. Talvez procuremos dividendos de retorno. No entanto, acima de tudo, é o alivio e a redenção que queremos obter. E aí, cedemos. Por isso, não é de mais insistir numa ideia. Quando queremos ceder a nossa alma, a quem e de que forma o queremos anunciar?
A Tania enfrenta um peso. Que se distribui por entre a sua alma e progressivamente pelo seu corpo. Dentro da casa de banho do 2º direito, a jovem vai despindo as calças, ao mesmo tempo que a água a escaldar corre freneticamente do chuveiro. Enquanto retira a camisola, ela olha-se ao espelho e confronta-se com as formas do seu corpo, coberto apenas pela lingerie branca. Tania vive um dilema. Dentro de si, tudo se transforma e ela simplesmente não quer mudar. Tal não quer dizer que ela afaste a ideia de prosseguir a concepção criada pelo seu próprio íntimo. Tania está grávida de três meses e procura encontrar a melhor forma de aceitar um futuro já quase escrito. Encerrada num espaço que lhe é cedido e não dado, ela aproveita aqueles instantes para confirmar as transformações do seu corpo e idealizar objectivos. Entra dentro da banheira, já depois de ter solto o soutien e as cuecas que lhe parecem apertadas.
Na sala de estar do 2º direito, Laura e Afonso saboreiam o momento após o jantar. Sentados no sofá vermelho, eles olham para as últimas reportagens do bloco noticioso, percebendo que olham sem a mínima atenção para o que é exposto. O jantar terminou em algum silêncio. A filha de Laura saiu apressadamente para mergulhar nas brincadeiras constantes que o seu quarto permite. Tania mantinha um semblante carregado, algo distante, demasiado ansioso. Por um par de vezes, a namorada de Afonso procurou chegar a ela, mas sem sucesso. A encarregada de loja sabia de antemão que nem sempre era possível alcançar a alma da sua funcionária. Por isso, o casal deixou-a sair da mesa, deixando a arrumação do que sobrou do jantar para eles. Laura e Afonso percorreram o corredor entre a sala e a cozinha por um punhado de vezes e aperceberam-se dos movimentos de Tania. Ela entrou na casa de banho, encerrando a porta. A noite ainda agora tinha começado e eles preferiram ficar na expectativa, aguardando pela reacção da jovem. Encostaram-se no sofá, com os braços envoltos, com beijos meigos escondidos.
- Estive a falar com a Sofia... - solta Laura.
- E então?!
- Oh!...É o que nós dizemos. Têm andado distantes, com muito trabalho...
- Com o Gustavo...
- Diz que sim... Que têm saído quase todos os fins-de-semana...
- Era o que nós tínhamos perspectivado.
- O Diogo tem saudades das nossas noites...
- Não me vais dizer que eles vão aparecer cá hoje.
- Afonso...temos que combinar qualquer coisa...eu também tenho saudades deles.
- Deles ou do Gustavo?
- Tu sabes o que é que eu gosto, amor...
- O que é que tu gostas?
- De te ver dentro da boca dela...
- ...Da boca dele na tua rata...
- De me vir ao lado dela.
- Para depois ele te possuir?
- Eu quero, Afonso...
- Eu não disse que não!...Ou disse?! Como é que ficamos?
- Bom...eu não quero trair a Tania... Mas eu vou voltar a falar com a Sofia e...
- ...Laura!...
Ouve-se um pedido vindo do interior da casa de banho do apartamento. Tania já terminou o banho e clama pela presença da sua colega de trabalho. A mulher sorri e olha para o seu namorado com desejo. Afinal, este casal dispõe de uma amiga intensamente íntima a morar debaixo do mesmo tecto. Sim, eles respeitam a novel condição da jovem grávida. Mas acima de tudo, eles percebem que progressivamente conseguem um afecto particular por uma pessoa que até há bem pouco tempo era vizinha deles. Laura entrega um beijo veemente na boca de Afonso, suscitando alguma excitação, mas também curiosidade pelo pedido da rapariga. Ela levanta-se e segue até à casa de banho. Bate à porta levemente e aguarda que Tania a deixe entrar.
- Precisas de alguma coisa, Tania?
- Não... Não, não preciso, mas...
- O que foi?...Fala comigo...
- Não é preciso, Laura... Tu estavas com o Afonso...eu não queria interromper...
- Ele fica bem... Eu estou aqui contigo...
Laura encerra a porta da casa de banho e ao mesmo tempo invade o pescoço da amiga com a sua mão. Tania está nua. Nem sequer uma toalha envolve o seu corpo. A água do banho ainda escorre pela sua pele e o seu cabelo está completamente ensopado. Tania apresenta-se pura e limpa. Trancadas nos lavabos, as duas mulheres sentem-se protegidas. Como se precisassem daquela intimidade.
- Tenho medo, Laura...
- Do quê?!
- Disto!...Tenho medo desta barriga, tenho medo de o trazer ao mundo...Tenho receio de que não esteja preparada para ser mãe...
- Já falámos sobre isso... Nenhuma mulher está pronta quando está grávida... E tu não és diferente. Ainda falta muito tempo e até lá é só uma questão de te habituares à ideia.
- A minha barriga vai crescer. Eu vou ficar uma gorda e ninguém me vai querer.
- Eu quero-te... O Afonso também te quer... E certamente que haverá um homem à tua espera para desejar essa tua barriguinha.
As mãos de Laura são atrevidas. Depois de acariciarem o pescoço de Tania, deslizam pelos ombros molhados dela. A jovem gosta do gesto duplicado. As mãos da inquilina têm o condão de espalharem ternura e ao mesmo tempo sentimentos ocultos. Os olhares entre as duas mulheres querem tocar-se. Querem comunicar e dizer o que pensam naquele instante uma à outra. Ouvem-se as respirações. A de Laura é calma mas impulsiva. A de Tania é nervosa mas expectante. A palma das mãos da namorada de Afonso apertam a carne dos braços de Tania. A jovem deixa descair ligeiramente a cabeça para sua esquerda, demonstrando o arrebatamento pela presença da amiga.
- Nós precisamos que relaxes... Tu precisas de relaxar...
- Agora já me sinto um pouco mais calma...
- Sentes?!
- Sim...
Laura solta um sorriso. Percebe que consegue aproximar-se da amiga. Denota na forma como os ombros dela libertam a tensão que se evidencia no corpo de Tania. A água continua a escorrer pela derme até pingar no mosaico branco do chão. Os braços da jovem encolhem-se, apertando o seu peito volumoso, húmido e rijo. Num único gesto, ela consegue demonstrar a Laura que se sente confortada e ao mesmo tempo desejada. E enquanto aconchega as mamas, a rapariga cerra ligeiramente as pálpebras, procurando manter o olhar em Laura.
- O que vai acontecer amanhã não interessa, Tania.
- Não?!
- Não... Vais ter o bebé, de uma forma ou de outra... Isso eu tenho a certeza e tu também tens que ter... Mas até lá, quero que penses que fazemos parte de ti.
- Como assim?!
- Hoje...e nos próximos dias, estes seios são nossos.
A mulher gira os pulsos e move as suas mãos em direcção aos mamilos redondos de Tania. Enche os dedos com as glândulas mamárias da jovem e acaricia ternamente a zona erógena feminina. Ligeiramente surpreendida, Tania inspira ferozmente e fecha os olhos. Dilate a sua boca, deixando evidente o seu deleite por aquelas mãos apalparem as suas mamas.
- São?!!...
- Sim... Tens que nos confiar estas mamas...
- Porquê?!
- Porque nós gostamos delas... Sentimos que cuidamos delas com toda a devoção. Sentes como eu as aprecio?
- Siiim.....
- Quero que aceites entregar-nos o teu peito.
- Com que intuito?
- Vais sentir-te a mulher mais sensual que alguma vez imaginaste.
E Laura continua a deliciar-se com aquele fantástico peito. É visível a excitação da jovem ao sentir as carícias que percorrem a pele macio dos seus seios. É evidente a forma com os bicos se tornam mais rijos, quando as falanges dos dedos de Laura esfregam os mamilos. E a pressão que as mãos da mulher exerce é simplesmente arrebatadora. A namorada de Afonso aproxima-se um pouco mais da sua amante. Tania, por sua vez, recua ligeiramente, até tocar com as nádegas húmidas na cerâmica fria do lavatório.
- São vossas... Eu confio em vocês, Laura...
- Eu quero mais do que isso...
- Mais?!...
- Sim... quero que não tenhas pudor...
- Eu não tenho pudor...
- Quero que andes nua em frente ao Afonso...
- Não sei se...uhmmm... estou a engordar na barriga...
- A tua barriga está linda... Vai ficar irresistível...dia após dia...
- Laura...
- Tania... Eu quero que nos dês tesão ao mostrares o teu corpo.
Após excitar as mamas de Tania, Laura volta a prosseguir o trajecto com as mãos. Desta vez, toca ao de leve na barriga da jovem, que naturalmente se vai modificando. Nota-se uma pequena saliência, conjugada com umas ancas ligeiramente mais cheias. O contorno que as mãos de Laura desenvolvem nas curvas de Tania pretendem demonstrar exactamente isso.
- És uma grávida excitante... Eu e o Afonso queremos isso...
- Uhmmm...isso o quê?!
- A tua provocação...
- Pára com isso, Laura!.... Estás a deixar-me....
- O quê?...Estou a deixar-te molhada?
A mão direita de Laura é curiosa. Escorrega pelo ventre de Tania e perfura entre as coxas torneadas da jovem. Inicialmente, a rapariga grávida recua a cintura, cerra as pernas e abre os olhos. Mas depois, ao perceber que já não há retorno, que Laura lhe cinge um olhar de tesão e que ela própria se descontrola perante a sucessão de acções, Tania cede. A mão direita de Laura é atrevida. Os dedos penetram por entre as coxas e friccionam os lábios vaginais encharcados da jovem. O corpo de Laura está praticamente colado ao da amiga. O braço direito de Tania envolve-se no tronco da mulher e a mão esquerda segura-se ao lavatório. Os lábios grandes da rata da grávida estão inchados e escondem um clitóris rijo.
- Isto.... Isto, Tania... É tanto teu....como nosso...
- Isso é posse...oohh...
- Não... é uma cedência... Eu sei que tu precisas...eu sei que tu queres...
- Diz-me o que eu quero, Laura!!
- Tu queres que nos te possuímos....
- Ohhh...siiimmm...Quero... Laura... A minha rata é tua... A minha rata é do Afonso... Ohhh...
O polegar de Laura domina o interior da vagina da jovem. O braço de Tania já clama pelo abraço e aperta a amiga contra o seu corpo húmido. A masturbação enfeitiça-a e deixa-a completamente fora de si. Ainda assim, Tania está consciente. Ela deseja tudo aquilo. O seu corpo vibra e ela sabe porquê. A volúpia das suas formas ganha consistência e ela sabe por quem pode suar todo aquela sensualidade. E enquanto Laura segura o seu clitóris, Tania senta-se no lavatório, sabendo que quer mais. Sabendo que precisa de ceder algo mais à sua amiga, ao casal que a toma debaixo do seu tecto e a faz sentir mais completa. Porque dentro de toda a surrealidade daquela ligação, Tania sabe que precisa deles. Não lhes pode pertencer. Não pode considerar-se eternamente deles. Não pode adquirir a devoção de Afonso nem possuir o carinho de Laura. Mas pode emprestar todo o calor e carência da sua alma, pode ceder a libido do seu corpo e gozar de toda esta envolvência até a sua vida ter que seguir o próximo passo.
- És uma menina linda, Tania... E se confiares em nós, conseguirás sentir-te uma verdadeira mulher...capaz de tudo...
- Siiim...Eu acredito em ti.... - sussurra Tania - Ohhh, Laura.... acredito!!.... Estou quase...ohhh...estou quase a vir-me...Eu acredito em ti, Laura....Por favor.... eu quero mais!....
As pernas de Tania abrem-se. Por entre os seus lábios vaginais, corre um misto de líquido intimo e água tépida que insiste em brotar dos seus cabelos. Laura ajoelha-se no chão molhado. Prossegue o seu esforço em demonstrar a Tania que, mesmo grávida, o seu corpo é voluptuoso, sensual e irresistível. Acaricia as coxas, fazendo com que as pernas se dilatem um pouco mais. Acaricia as nádegas, apertadas contra a cerâmica do lavatório. E depois, assim que Tania se segura às torneiras, assim que o seu corpo está completamente volátil, assim que a rata da jovem clama por ser arrebatada, Laura molha os seus lábios e avança.
-//-
A porta da casa de banho abre-se. O vapor que ainda se mantinha dentro da divisão evade-se para o corredor da casa. Cá fora, tudo parece manter-se tranquilo. A menina já se deixou adormecer em cima da cama e na sala a televisão já entrou no horário nobre. Laura sai da casa de banho com as roupas ligeiramente molhadas e com as maçãs do rosto ruborizadas. Atrás de si, Tania tem uma toalha envolta no corpo e corre até ao seu quarto. No sofá, Afonso parecia aguardar por aquele instante. Como se estivesse aborrecido por ter que ficar sozinho a fazer zapping. Laura aproxima-se dele com um sorriso. Por detrás do sofá, ela recosta o seu corpo e cola o seu rosto à cabeça do namorado. Ele pressente o calor da pele dela. Leva a mão aos cabelos femininos e reclama algum carinho. Laura roça a ponta do nariz na bochecha dele. A mulher ostenta um sorriso perverso. Gera-se algum silêncio. A menina já não irá acordar e Tania não ousará sair do quarto. A lição pura e simplesmente que a arrebatou. Laura solta a sua voz baixinho junto ao ouvido de Afonso.
- Não precisas de o esconder....... Eu sei...... Eu sei que estiveste o tempo todo atrás da porta da casa de banho...
E num gesto sublime, carinhoso, mas ao mesmo tempo lascivo, Laura suga os lábios dele, cedendo-lhe um beijo prolongado, misturado com a língua e em que pedia que ele devorasse os lábios meigos dela. E nesse beijo, Afonso prova a delicia pertinente da rata de Tania, antes da sua namorada lhe soltar um sorriso perverso e o chamar para a cama.

segunda-feira

Vende-se

Publicado a 14-01-2009
É sintomático. Quanto mais se tem. Quanto mais se dispõe. Quanto mais concretizada a alma se sente. Quanto maior é o pedestal que se consegue alcançar, mais aliciante se torna a perversão que desejamos. Mais intenso parece o pecado que se quer cometer. Mais vibrante parece ser o risco de se entrar no inferno. Quanto mais poder se detém nas mãos, maior parece ser a ambição de o destruir. Como Nero que quis destruir Roma, só para a ver em cinzas. Rodrigo parece desejar o inferno. Ele brinca com o perigo da infidelidade. Ele arrisca os sentimentos que ele mesmo quis construir numa espécie de jogo de roleta russa. Ele compra as emoções alheias com a riqueza da sua sensualidade e depois aparenta querer vender a sua alma ao preço mais cruel. Rodrigo sente que negoceia a paixão proibida, assim que incita a trazer para a sua própria casa um tesouro enfeitiçado.
Sandra não pertence a ninguém. Namora com o filho mais velho do seu amante maduro, mas não pertence a nenhum deles. Gosta de se sentir assim. Manipuladora de desejos, meliante de sentimentos que ela própria sabe não possuir. Aquilo que ela verdadeiramente quer ou sente, tanto Rodrigo como o seu filho, julgam saber. No entanto, só a jovem é que intrinsecamente entende a legítima convicção de possuir dois homens na mesma casa. Mas Sandra é irresistível. É um demónio mascarado de beleza feminina inocente. É um corpo flamejante, volúpio nas suas formas, febril ao toque, gélido no interior da alma. Só as roupas casuais, descontraídas mas vistosas lhe dão alguma semelhança com uma pessoa de bom carácter. Só aquele olhar compenetrante, fascinante e ilusoriamente angélico consegue evidenciar alguma compaixão por quem ela ousa desejar e por quem se atreve a observá-la. Sandra vende tudo o que a sua alma conseguir ludibriar. O retorno será sempre mais corrupto do que o que entregou.
Rodrigo está a ser chupado por Sandra. Esta acção já decorre há alguns minutos no corredor principal do 1º esquerdo. Não importa como começou. É pouco relevante ter em conta as motivações da jovem em entrar na casa do seu namorado, quando no seu interior só se encontra o pai dele. Sandra vendeu mais um pedaço da sua alma e devora o sexo inchado de Rodrigo. Os seus lábios carnudos e meigos são audazes em fazê-lo com devoção e com a ambição de levar o homem cansado a um intenso passeio de prazer. O sexo de Rodrigo entra convictamente na boca dela. É besuntado com a saliva morna que a língua da rapariga deixa desde a ponta do pénis até aos testículos. É excitado com a pressão que os músculos faciais exercem sobre a carne voluptuosa. E as mãos suaves e tenras de Sandra ocupam-se tanto da coxa despida do homem, como em segurar firmemente a haste masculina. Ele está encostado à parede do corredor, próximo à porta da arrecadação, diante da casa de banho. É notória a satisfação do inquilino, entre os gemidos que se soltam da sua garganta e o cerrar dos olhos. É visível o reconhecimento que Rodrigo elege à pessoa que lhe faz sexo oral. Sandra recebe carícias nos seus cabelos finos castanhos, percebendo que ela o incita a ir até ao fim. A jovem está ajoelhada no chão e tem o pescoço ruborizado, fruto dos beijos e chupões que recebeu do seu amante. Ela conhece aquele sexo instintivamente, Já o teve repetidamente na boca. Já o sentiu de diversas formas. Já o saboreou. Seco, molhado, húmido, inchado, satisfeito, amolecido, entesado. Por o conhecer tão bem, ela sabe o que está prestes a acontecer. Pressente a vibração que trespassa por toda aquela carne. Sente o calor que emerge da ponta da picha. Reconhece o ponto exacto com que o labor da sua boca é capaz de despoletar no órgão de Rodrigo. E quando dois dedos da mão de Rodrigo pressionam gentilmente a sua nuca, Sandra aguarda. Enche a sua boca com o pénis dele e envolve-o com a língua. No calor da sua boca, juntamente com a expiração da garganta dele, um jacto escaldante atinge o céu da boca da jovem, provocando um ligeiro pestanejar do olhar dela. Ele vem-se e quer fazê-lo dentro do orifício bocal da amante. É explosivo, assim que ela tenta suportar todo o suco. É intenso, quando ela entende que o homem tão cedo não cessa o seu deleite. É frutuoso, desde que ela repara que não irá suportar toda a ejaculação de Rodrigo dentro da sua boca. Sandra aperta a carne com o polegar e os outros dedos e procura afastar a cabeça, ligeiramente para trás. Os lábios escorregam na pele molhada e trazem o líquido com eles. A jovem abre os olhos e repara no estado do sexo que acaba de se vir. E enquanto parece admirá-lo, recebe um último rasgo de prazer do homem, espalhando-se na maçã rosada do seu rosto. Rodrigo parece ter libertado todo o seu ardor sexual, que resistia dentro de si. Ele sente-se capaz de prosseguir com a aventura, mas é nesse instante que tudo parece precipitar-se no jogo de Rodrigo com a sua própria vida.
Ouve-se um leve ruído vindo da fechadura da porta de entrada do apartamento. Quem quer que esteja no corredor do Edifício Magnólia e que demonstra querer entrar no 1º esquerdo, não aparenta estar apressado. A chave que penetra na ranhura roda e desencadeia o trinco da porta de madeira. A fechadura solta-se e a porta abre-se uns centímetros. A chave é retirada da ranhura e percepciona-se os sons de sacos de plástico a serem colhidos. Depois, um forte empurrão faz escancarar a porta. Helena entra em casa, com as costas viradas para o hall de recepção. Traz nas mãos as compras da mercearia e na face o suor que espelha a exaustão que o seu corpo flui. Ela consegue entrar em casa e encerrar a porta. Gira o corpo e toma percepção do espaço em redor. Ela encontra o seu próprio lar, enfim, vazio de alma. No imediato, Helena não consegue percepcionar que atrás da porta da arrecadação está o seu marido escondido, ainda a apertar as calças. Na dedução da mulher, não existe a ideia de que ao lado dele, está a amante do seu marido e namorada do filho, a tentar limpar dos lábios o sémen expelido por Rodrigo. Naturalmente, se Helena se decidir a usar a arrecadação, o mesmo será dizer que o inferno invadirá a casa deste casal. A mulher confrontará em flagrante o seu marido, confirmará os piores receios que ela detém sobre a sua nora virtual e enfrentará a realidade da confiança do seu casamento ser uma farsa. Sandra não teme. Tudo o que ela terá a perder com a descoberta, nunca será superior ao seu desejo obsessivo. Por Rodrigo e por qualquer aventura. Por isso, ela resguarda-se, mas tranquila. Rodrigo ferve. Segura a porta da arrecadação, esperando que a esposa não tente sequer imaginar entrar ali. Ouvem-se os passos de Helena, com os seus saltos altos. Ela leva os sacos em direcção à cozinha, tendo que passar no corredor. Rodrigo corta a sua própria respiração. Os seus olhos parecem congelar e os seus músculos ficam tensos. A mulher entra na cozinha. Rodrigo procura pensar numa solução. Mas quanto mais os instantes passam, mais ele confirma que tem que ficar escondido. Helena regressa. E aparentemente, ela não desconfia. Não pressupõe o que se passa numa divisão minúscula da sua casa. Ao invés, está entusiasmada em dirigir-se à sala. Rodrigo consegue espreitar por uma grelha colocada na porta da arrecadação. A sua mulher está junto ao sofá da sala. Segura um copo de plástico de café, possivelmente adquirido no Espaço Magnólia, antes de subir. Helena detém alguma vivacidade. Ela está junto à mesinha onde está o candeeiro, o telefone fixo e o livro de contactos. Abre-o e desfolha algumas páginas. Rodrigo sente-se intrigado, mas ao mesmo tempo assustado. Ele aguarda pela primeira oportunidade que a mulher lhe conceda, de forma a sair dali e a evacuar da sua casa a amante que está colada a si. Ouve-se um pequeno gemido de Helena. Ela entra o copo de café para cima a mesinha e salpica o livro. Apesar de alguma atrapalhação, é essa a página que Helena procura. Pega no telefone e marca o número que visualiza. Rodrigo inspira fundo. Alguns segundos de espera e da boca de Helena abre-se um sorriso.
- Estou?!...Sou eu... A Helena.... Sim... só cheguei agora a casa... Não, não...não posso!... Tu sabes que não posso... Porquê?.... O meu filho deve estar a chegar a casa e ainda tenho que ir... Não!... Não posso!.... Sim... claro que vi as tuas chamadas...
Escondido dentro da arrecadação, Rodrigo só pode ficar suspenso nas palavras da sua esposa. Ele indaga sobre quem estará do outro lado da linha. Ele procura perceber o teor da conversa. E subitamente, não é só Rodrigo que fica desarmado, com as calças na mão.
- ...Não te posso dizer isso... e tu sabes... é claro que penso... Mas eu sou uma mulher comprometida... bolas...tens que ter essa consciência!... Mas sim...eu quero-te... és uma perdição e tenho que me render... Oh sim, desejo que me possuas outra vez... Não sei onde... em tua casa... Não sei quando!... Veremos... Sim... Prometo... Eu telefono-te quando puder... Sim! Quero-te!...
Impaciente e encerrado, Rodrigo sente-se a explodir. A sua própria esposa troca conversações sensuais e explosivas com um dos seus amantes. Poderá ser o mesmo cliente. Poderá ser outro cliente. Poderá ser alguém que ele conhece. Em todo o caso, será alguém que consta na lista de contactos da família. Sandra entende o que está a ocorrer porque também ouve as palavras ansiosas de Helena e porque percepciona a raiva e impotência do seu amante. Ele parece querer revoltar-se. Está a uma passo de sair daquela arrecadação, ainda arrebatado pelo broche que recebeu. Ainda assim, ele controla-se.
- ...Quero sugar-te... quero que me toques até me pores louca... quero sentir-te dentro de mim... Meu Deus!... Eu prometi que te resistia... Sim!!... Quero-te!... Pára com isso!... Tenho que ir... Não, não podes vir ter comigo... Tenho que ir!... Tchau... Sim!... Eu ligo... Tchau!...
Helena desliga o telefone. Solta um suspiro, tal foi a intensidade do que acaba de proferir. Ela olha em redor, confirmando que está mesmo sozinha na sua casa. Ela não está. Rodrigo contorce-se nervoso dentro da arrecadação. Helena procura limpar os pingos de café que respingaram na mesa e fecha o livro de contactos. Inspira fundo, volta a pegar na sua mala e acorre a sair novamente de casa. Quando ouve a porta do apartamento bater com estrondo, Rodrigo solta um enorme suspiro. Sandra solta um sorriso malicioso. Ele abre a porta da arrecadação e procura perceber o que pode fazer. Olha para a jovem com um ar de censura. Mas ele próprio sabe que a situação, vista de fora, só pode ter ar de troça. Por um momento, Rodrigo pensa em criticar a sua amante. No entanto, não é a irreverência e ousadia de uma menina que o preocupa. Ele precipita-se para a sala e pega no livro de contactos. Folheia as páginas até encontrar a folha que está manchada. Ele atenta aos nomes que estão inscritos e procura desvendar o que parece mais evidente. Gera-se um silêncio enquanto Sandra se aproxima dele. A jovem ainda tem restos de sémen na sua face meiga. Por provocação, ou meramente por excitação, ela não se dá ao trabalho de limpar. Olha para o seu amante, procurando obter a resposta sobre quem seria o misterioso amante de Helena. Ele já deduziu. Já percepcionou quem é e está abismado com a resposta. Uma tempestade parece invadi-lo. Uma fúria envolve o seu semblante. Sandra percebe que, não obstante a curiosidade, ocupa uma posição delicada ali dentro. Helena pode regressar e ela não quer estar ali caso algo rebente. Aproxima-se de Rodrigo, envolve a mão nas costas dele e entrega-lhe um beijo doce no rosto do amante. Depois, delicadamente, sai do 1º esquerdo. Rodrigo mantém-se em silêncio, agora sozinho. Segura o livro de contactos e dirige-se à janela da sala, por onde se vislumbra a rua do Edifício. Helena volta a entrar no carro que está estacionado quase à porta. Possivelmente irá buscar o filho mais novo. Naqueles instantes intensos e confusos, Rodrigo procura controlar-se. Tenta obter uma solução para o que acaba de ocorrer. Ele não sabe se o que o incomoda é o facto de ter estado a um passo do abismo, ao ser apanhado em flagrante pela esposa, se é a questão da sua esposa ser infiel, algo que ele já sabia de antemão, se é a revelação do amante que ela possui, ganhando um ódio a essa pessoa. Porque naquele instante, Rodrigo tem o orgulho ferido. Reconstitui certos acontecimentos que ocorreram, ali mesmo naquele prédio. Deduz certas acções e reacções, sabendo que nunca ele tinha associado a confrontação. Ele volta a colocar o livro em cima da mesinha e cinge o olhar naquele nome. Mais do que descarregar a sua fúria na própria esposa. Mais do que querer acabar com aquela relação. O sentimento que invade a mente de Rodrigo é a vingança. É sintomático. Quanto mais se tem, mais se deseja. Quanto mais se deseja, maior é a obsessão. Quanto maior é a obsessão, maior é a corrupção da alma e dos seus valores. E enquanto formulava a sua vingança, Rodrigo sabia que estava a vender os seus valores morais a uma cobiça perigosa. Porque ele sabe qual a melhor forma de se vingar daquele homem. Sim, Rodrigo fecha o livro e confirma que se vai vingar do seu vizinho do terceiro andar, Rafael Neves.

domingo

Toda a paixão que ainda existe para contar

Publicado a 06-01-2009
"A vida não é medida em minutos, mas em momentos"
Tagline do filme The Curious Case of Benjamin Button, de 2008, escrito por Eric Roth, realizado por David Fincher e protagonizado por Brad Pitt http://www.imdb.com/title/tt0421715/

O Edifício Magnólia completa no dia de hoje um ano de existência.
A história que, tal como prometido, não era suposto ter um fim, mantém-se viva. A história que ainda gosto de postar e contar, continua a ser uma grande aventura. Faz hoje um ano que se abriu a porta deste lugar que pretendeu trazer uma lufada de originalidade ao mundo da blogosfera, especialmente na temática erótica. Espero, que ao fim de um ano, esse objectivo ainda se mantenha desperto.
Fará amanhã um ano que se deu a conhecer Helena e Rodrigo, o casal mais que perfeito à beira da ruptura. Daqui a dois irão passar 365 dias desde que se cuscou a entrada no seu novo apartamento de Maria José, a professora universitária quarentona, humilhada por vinte anos de casamento. Três dias depois, comemora-se a primeira revelação da vida de Lúcia, jovem universitária que se apaixonou pela sua colega de casa, Tania. Ao quarto dia contado a partir de hoje, irão passar doze meses desde que foi dado a conhecer o lar de Afonso e Laura, um casal de idades distintas mas pensamentos comuns, apaixonados pela partilha. Faltam só cinco dias para celebrar a postagem da novel história de Rafael, um instrutor de equitação, atraente e irresitivel para as suas vizinhas. E ao sexto dia depois da anuidade do blogue, há lugar para felicitar Ana, a deslumbrante acompanhante de luxo que mora sozinha com as suas máscaras. Claro que o Edifício Magnólia também conta as suas histórias no Espaço Magnólia, na garagem, no elevador e na casa das máquinas e no jacuzzi no andar superior, mas é dentro destes seis apartamentos que tem residido a magia destas personagens.
Ao fim de um ano, contaram-se cerca de 20 histórias para cada inquilino. Foram 126 posts em que se procurou ser sempre mais surpreendente na próxima postagem do que na anterior. As opiniões podem divergir, mas na opinião deste humilde narrador, creio que houve um esforço para assim o tentar efectuar. E se o ritmo inicial de postagem era feito com carácter diário, nos últimos meses houve um significativo decréscimo de postagens. Em momento algum, durante este ano, estes doze meses, estas cinquenta e duas semanas, estes trezentos e sessenta e cinco dias, houve alguma procura em desistir. Houve desmotivações, algum cansaço certamente, até um certo desnorte. Mas nunca desistir. Porque o Edifício Magnólia surgiu de uma vontade imensa de narrar ideias íntimas, desenvolver conceitos, expandir a mente. E isso é mais forte do que qualquer desmoralização ou inconveniência material. Adoro fazer isto. Se pudesse vivia disto. Ainda não posso. Mas se pudesse, este era o meu lar, o meu ar. Existem outros projectos paralelos ao Edifício que também necessitam de dedicação, tempo e alguma coragem. Se algumas vezes o Edifício parece esmorecer, isso deve-se às limitações que decorrem de tanto projecto. Mas um desses projectos é justamente este. Por isso, posso certamente dizer que não se prevê que o Edifício vá encerrar brevemente. Não está previsto. Não irá acontecer. O Edifício Magnólia será eterno.
Mesmo para o reduzido número de leitores frequentes que o blogue possa deter, há orgulho no trabalho feito. Imaginava fazer muitos posts. Não julgava era que fosse possível fazê-los. Pressupunha alguns leitores. Não poderia era pedir que fossem tão bons leitores. Desejava manter alguma qualidade e distinção. Não exigia é que ela fosse distinguida. Outros voos foram sonhados. Esses ainda não foram conquistados. Haverá tempo. O Edifício Magnólia quer ser sólido. Quer estabelecer-se e sorrir à surpresas que possam ir aparecendo. Acima de tudo, acredito no produto e é um entusiasmo saber que há mais quem acredite neles. E a todas essas pessoas que nele depositam confiança para cuscar algumas vezes, gostava que pudessem ler este post, numa espécie de agradecimento por, seja de que forma for, se identificarem minimanente com algum aspecto do Edifício.
Naturalmente que um blogue, seja ele de que matéria for, sobrevive e cresce à conta dos visitantes. Quer em número, quer em qualidade. Continuo a não querer 1000 pessoas a saberem que o Edifício existe. Continuo a não querer que 100 pessoas tenham visto o titulo do último post. Mais do que tudo, quero que 10 pessoas, ao fim deste ano, tenham vivido intensamente - como se estivessem dentro do Edifício - pelo menos uma das mais de cem histórias que partilhei. Se isso acontecer, sinto-me reconhecido.
E porque este post de comemoração também é de quem lê, de quem aguarda com expectativa por uma nova história e de quem comenta, também esta "semana" haverá a entrega da já "habitual" Menção Especial Magnolium. Este singelo prémio foi criado para promover a participação de quem sente as histórias do Edifício mas nem sempre tem coragem de comentar ou não encontra algo a dizer. Nem sempre é fácil eleger um bloguista ou um leitor, até porque muitas vezes não é unânime a escolha, ou o legítimo mencionado já foi designado. Não sinto que seja ainda a altura de repetir algumas distinções, mesmo que parecesse justo. Esta "semana", após alguma ponderação, decidi adiar a repetição de uma nomeação, para a entregar a alguém que já há imenso tempo comenta no Edifício e nunca teve oportunidade de a receber. E apesar da Lize ter deixado sempre comentários muito gratificantes, a Menção Magnolium esta "semana" vai para o Shelyak. Porque ele tem sido um dos nossos pioneiros. Porque todos os moradores sabem que ele nutre um carinho especial pelas cusquices que andam aqui dentro. Porque faz sentido dar um pouco do Edifício ao administrador de um blogue, em si dinâmico e original. A Menção Magnolium é-lhe então entregue em nome do Rodrigo e da Helena, os quais o Shelyak tanto estima.
Não há tempo para olhar para trás. Alguns moradores ainda o fazem, alguns querem viver todo o presente, mas a maioria deles olha para o futuro com alguma ansiedade e até desejo. Porque eles sabem que a sua vida transforma-se nos momentos vividos, também eles não querem deixar de partilhar aquilo que sentem, aquilo que vivem, aquilo que ambicionam, aquilo que provam e acima de tudo aquilo que os consome de uma forma demasiado intensa. Novas histórias estão para surgir. Nada se esgotou. Tudo se mantém muito quente. Espero que continue por aqui. Entre nesta rua, espreite pela porta de entrada, se preferir tome um café no Espaço, ou se quiser escolha uma campainha e certamente alguém o deixará entrar. Sente-se, deite-se, ou deixe-se ficar a pé. Devore cada pedaço, delicie-se com cada instante de prazer, guarde cada resto de sensualidade que ainda sobrar. O Edifício Magnólia quer continuar a recebê-lo. Isto ainda não é o fim...

sábado

Escola de mulheres

Publicado a 05-01-2009
Onde aprendemos a ser felizes? Onde nos ensinam a ser melhores? Seremos mais audazes que os demais ou julgamos ter conhecido tudo o que o mundo pode oferecer? A vida é um conjunto de peças teatrais onde decoramos as deixas que um coreógrafo nos ensinou e as interpretamos com quem desejamos no palco onde nos sentimos mais confortáveis. Se assim não for, estaremos constantemente a enganarmo-nos e a representar encenações moldadas por quem não nos quer saber concretizados. L'ecole des femmes é uma peça teatral originalmente concebida em 1662, por Móliere, um dos maiores dramaturgos de sempre. Aquilo que a peça conta pouco interessa para o que se segue. Mas a certeza de que algo se aprende nas escolas onde representamos em diversas fases da nossa vida, é preciosa para entender a revelação desta mulher.
Ana prepara-se para colocar a sua máscara nocturna. Passam doze minutos das dezanove horas e o seu corpo está despido. Diante do espelho redentor da casa de banho, a jovem acompanhante vislumbra toda a sua pele e as condições em que o mesmo se encontra. Uma espécie de preparação, de aquecimento, de concentração exigida por ela própria, para que garanta a si mesma a certeza de mais uma noite formidável. Um processo construtivo repetido vezes sem conta, consequência de alguns anos a mascarar-se. A Ana que entrou naquela casa de banho não será a mesma Ana que irá sair daquela divisão. E isso ela tem que confirmar em todos os encontros com clientes. Advogado de renome na cidade. Viúvo, cinquenta e seis anos contados, filhos maiores de idade. O encontro desta noite é uma companhia que lhe garante um serão agradável, sem receios, com uma boa dose de conversa e respeito mútuo. Cliente antigo, este homem procurou Ana pela primeira vez, dois meses após o falecimento da mulher. No final desse primeiro encontro, a acompanhante resignou-se com o facto de que o seu cliente não pretendia sexo. O mais íntimo que houve entre os dois foi um abraço sentido, sem sequer ela se despir. O homem precisava de alguém que o fizesse sentir vivo. E o sorriso dela tornou-se mais importante do que alguma vez ela pôde julgar. Novos encontros repetiram-se. Houve envolvimento sexual. Ocorreram coisas das quais o cliente nunca imaginou ser possível experimentar sexualmente. Surgiram ideias que a própria acompanhante nunca tinha desvendado serem passíveis de introduzir na sua ocupação. Mais do que cliente, o homem tornou-se um amigo. Sem compromissos. Sem sentimentos confundidos. Ele procurava-a. Ela recebia-o. Eles conversavam. Eles fodiam. Ele pagava-lhe. Ela sorria. E nesta noite, isso vai voltar a acontecer. De uma forma ou de outra. Ana capricha um pouco mais para o poder receber como acha que ele merece. O banho já foi tomado. Lavou a pele com pedrinhas perfumadas de Bali. O corpo já se cobriu de um creme rejuvenescedor importado de França. E enquanto as suas mãos percorrem cada recanto do seu corpo, Ana certifica-se que nada em si está adormecido. Ele vai querer comer fora, certamente. Há já algum tempo que se está para proporcionar um jantar num restaurante no topo da cidade. Irão regressar, certamente. Ele vai elogiar-lhe um vestido exclusivo de corte italiano, comprado na sua loja de eleição, peça quase impossível de encontrar noutro corpo feminino. Ele vai despi-la calmamente, com um toque divino que irá fazer a acompanhante sentir-se acarinhada. Debaixo do vestido ele vai querer ser surpreendido. E por isso Ana veste agora uma lingerie capaz de evidenciar todos os pormenores sensuais e erógenos do seu corpo. Ele vai aceitar que a acompanhante o chupe vagarosamente e com dedicação, quando ele estiver sentado no sofá a beber um Porto. Assim, ela escolhe um baton cremoso que evidencia os seus lábios finos mas experientes. O seu cliente poderá com alguma certeza deixar-se dormir e ficar toda a noite. A cama tem um aroma semelhante ao que o seu peito exala agora. Um sorriso descobre-se na face de Ana. Ela olha fixamente no espelho, como que a comunicar consigo mesma. Ela vai comê-lo. Proporcionar-lhe um deleite sexual que se irá manter na memória dele por muito tempo. Na cabeça da jovem acompanhante está a imaginação que ela transforma da forma como ela vai saltar sobre a cintura dele, sentido o seu sexo ainda vigoroso. Sim, pensa ela diante do espelho. Vai ser uma noite poderosa. A confiança que anos de devoção a esta estranha profissão tatuaram no seu corpo evidenciam na postura experiente que ela ainda detém na sua casa de banho, assim que a máscara nocturna de Ana se apresenta. A campainha do seu apartamento toca antes do tempo.
Não é suposto ele chegar tão cedo. Ana é muito rigorosa com a hora marcada e oito em ponto não deixa margem para erro. O seu cliente não costuma contrariar as exigências da sua acompanhante. Ainda assim, Ana não arriscou. Veste um robe branco, de uma seda pura, com um contorno da cor da sua lingerie. Olha em redor e confirma que o seu apartamento está pronto para receber uma visita. Junto à porta de entrada, carrega no botão que a faz aceder ao ecrã do intercomunicador. Na portaria do Edifício Magnólia não está ninguém. Apenas alguns vultos de pessoas que passam na rua. Por descargo de consciência, Ana espreita pelo olho mágico da porta de madeira. Afinal, alguém tocou mesmo à campainha do seu apartamento. Mas não é o seu cliente. É uma mulher. Está de costas para a porta, avistando-se parte de um penteado loiro. Por dois segundos, ela tenta fazer uma associação e figurar quem pode estar inusitadamente à porta de sua casa. Um pequeno calafrio percorre a sua espinha e depois, Ana abre. A estranha mulher que aguardava que a inquilina do 3º direito a recebesse gira o seu corpo, envolvido por um enorme sobretudo castanho e sorri para a jovem.
- Manuela...Mas...Como é que me descobriste? - solta Ana.
- Não foi por teres levado contigo a carteira de clientes, que eles deixaram de vir à minha casa... Por uma noite diferente, consigo muita coisa, minha querida... Consegui a tua morada...
- Estou a ver...
- Vais deixar-me aqui à porta?
Ana desperta. Após a sacudidela na sua alma, Ana recompõe a postura e abre caminho para que a mulher entre em sua casa. A mulher de cinquenta e cinco anos, ar jovial, não obstante as rugas que cortam a sua face bonita, dá três passos e olha sem receio para Ana. Pára por um instante e entrega um beijo meigo e profundo na maçã do rosto da inquilina. Denota-se na aparência dela que é uma mulher vistosa, presunçosa e decidida, para além de evidenciar uma ostentação social. Ao entrar no apartamento, ela parecia querer tomar conta daquele espaço. Ana assiste com alguma incerteza aos passos daquela mulher que não lhe é desconhecida.
- É aqui que trabalhas? - pergunta a intrusa.
Manuela é a gerente de um clube privado de acompanhamento, numa rua discreta mas elegante da cidade. Manuela é também professora universitária num pólo de ensino nos limites urbanos. Manuela é a antiga mentora de Ana, quando a jovem era a coqueluche do seu clube nocturno privado. A mulher que está diante da acompanhante confiante foi a professora da máscara nocturna que hoje Ana se orgulha de colocar. E porque as coisas não terminaram bem, na transição da jovem para esta nova realidade, Ana não consegue esconder o nervosismo que aquela presença surpreendente lhe provocou. Ainda assim, cumpre o seu papel. Segura o casaco que Manuela acaba de retirar.
- Eu perguntei-te se é aqui que trabalhas...
- É...É sim, Manuela... É aqui que trabalho.
- Cheiras maravilhosamente...está a chegar algum cliente?
- Sim...às oito...
- Pois... O que achas?... Estás preparada para recebê-lo?
Ana hesita. O carácter inquisitivo da conversa de Manuela põe a jovem ainda mais desorientada, perdida de confiança. Naturalmente, agora ela não está preparada para receber o seu advogado viúvo. Mas ele vai chegar. E vai encontrar aquela que sempre foi a proxeneta de Ana. Há mais de seis anos, ela era uma rapariga perdida de horizontes. Os desafios que se tinha proposto quando rumou a esta cidade pareciam dissipar-se numa desilusão. A representação era de facto o seu forte, mas os palcos congelavam-na, limitavam-na. Era seu hábito tomar café na esplanada de um lugar reservado e cosmopolita, com a única amiga de infância que estava próxima de si naquela cidade, sendo ela também uma saborosa amante. Na única cadeira que estava vaga na mesa, uma mulher misteriosa, madura e ainda assim bonita, sentou-se, quase sem pedir permissão. Meteu conversa com ambas, mesmo que tivesse dificuldade em receber respostas. Ana e a sua amiga tentavam perceber quem era aquela mulher que fumava com graciosidade e as olhava com um desejo peculiar. O elogio surgiu. Para Manuela, Ana era das jovens mais carismáticas que já tinha conhecido. Uma beleza fascinante e um corpo de cortar a respiração. A amiga da jovem não ficava atrás, mas era Ana que a tinha chamado a atenção quando as viu naquele mesmo café. O convite foi lançado. Manuela pretendia que as duas jovens passassem a noite no clube privado que ela geria em conjunto com o marido. Não era prostituição. Não seria se elas assim o entendessem. Seriam tratadas com princesas, sem qualquer tipo de exigência. Iriam vestir a roupa mais elegante que alguma vez se colou ao corpo delas, iriam tomar as bebidas mais ousadas que pudessem experimentar, iriam escolher o homem que mais as pudesse excitar. Sem compromisso. No maior sigilo que se podia prometer. A amiga de Ana recusou veemente. Manuela lançou um olhar presunçoso para essa jovem e nem sequer se incomodou quando ela quis ir embora. Ana ficou. Não porque tivesse aceite o convite. Apenas e só pelo facto de se ter fixado em Manuela. As duas mulheres cruzaram um olhar inesquecível. A senhora elegante que estava diante de Ana sabia que a podia convencer. Um envelope branco foi colocado em cima da mesa. Manuela confiou na oculta consciência de Ana. Deixou o envelope onde estava a morada do clube e uma nota gorda, levantou-se da cadeira e de pé, deu-lhe um beijo na testa. A mulher estava convicta de que na mente de Ana, ela já tinha aceite o convite ousado mas deslumbrante.
- Não achas que é melhor informá-lo?
- Do quê?!
- De que vais adiar o encontro.
- Porque haveria de fazer isso?
- Diz-me que não me queres aqui.
Ana silencia. Ano e meio após ter saído abruptamente do clube, a jovem não mais entrou em contacto com a sua mentora. Porque ela sempre a considerou mentora. E não encontrava outro substantivo que qualificasse o papel de Manuela na sua vida. Sim, ela quer aquela mulher ali. Sentada no seu sofá. A fumar o cigarro intenso. A oferecer-lhe o sorriso meigo mas violentamente presunçoso. Sim, mesmo após tanto tempo de ausência, Ana quere-a ali e algo mais.
- Nunca duvidei que te pudesses dar bem noutro lado. - diz Manuela.
- Mas desejaste que me arrependesse do que fiz depois de sair...
- Estás arrependida?
- ...Tenho saudades... Mas não estou arrependida. E sim, estou a dar-me muito bem aqui.
- Tens tido problemas?
- É como morar num sitio sublime e poder trabalhar em paz.
- Os clientes ajudam...
- Manuela, se vens exigir que não esteja com os teus clientes...
- Tens o direito de os querer. Sempre foram os teus clientes. Respeito isso e não te quero mal... Por favor, liga ao teu encontro.
Ana resigna-se. Na verdade, dentro dela há uma ansiedade enorme. Ela deseja Manuela ali. Exactamente ali. Mas Ana sempre foi uma mulher de palavra. E não é do seu agrado cancelar um encontro em cima da hora, especialmente com um cliente tão fiel. Mas ela faz a chamada. Diante da sua antiga patroa, a acompanhante cancela educadamente a marcação que lhe iria ocupar esta noite.
- O que queres de mim, ao fim de tanto tempo, Manuela?
- ...Estou bem, obrigada... O clube ainda funciona e as meninas ainda gostam de lá estar.
- ...Desculpa... Como estão elas?
- Tens razão... Não posso querer ser vossa mãe para sempre.
- A Verónica?
- Casou-se...
- E a Bianca?...
- Achava que já não tinha idade para o fazer. Saiu há um mês.
- A Tatiana?...
- Desde que te foste embora que é a nossa melhor acompanhante.
- E o Nuno?
- As mulheres pagam-lhe muito bem. Parece que a idade lhe faz bem.
Ana sorri. Faz-lhe bem saber das boas novas do sitio onde trabalhou durante um período crucial na sua vida. Ela recorda-se da primeira vez que entrou naquele prédio, semelhante a uma pensão. Vestia a roupa mais sensual que tinha no seu guarda-fatos e procurava manter um ar reservado. Foi Manuela quem a recebeu, depois de passar o segurança. Antes mesmo da noite cair, a mulher mostrou o bar restaurante que se situava na cave do edifício. À medida que chegavam, Manuela apresentava as acompanhantes que a cumprimentaram com um sorriso muito generoso. Mulheres bem vestidas, com um ar muito sereno, sensuais e desfasadas do estereotipado modelo de prostituta. Ana conheceu também o único acompanhante masculino da equipa. Um jovem mulato, com um corpo excitante, umas mãos extraordinárias e um sorriso fatal. Faltava conhecer a pensão. Para aquela primeira noite, Manuela tinha prometido um vestido novo e o melhor quarto à disposição. Para concluir, ela só tinha que decidir se queria convidar algum homem que se apresentasse no bar, nessa mesma noite. Ao entrar no quarto privado de Manuela, Ana sentia-se cada vez menos receosa do que estava a fazer.
- E tu, como estás? - pergunta Ana.
- Eu creio que sabes como estou...
- Não, não sei, Manuela...
- O Fernando...ele...
- Eu soube... os meus pêsames...
- Posso saber porque é que não me dirigiste palavra no cemitério?
- ...Nem eu sei, Manuela...
- Uma ova que não sabes, Ana!!...
Ana recua. Nessa primeira noite, no quarto de Manuela, a mulher tornou-se extremamente carinhosa para Ana. Ninguém tinha prometido nada. Seria só uma noite. A jovem não precisava de voltar. Iria receber, mas sem obrigação de se envolver fosse com quem fosse. Ainda assim, o clube tinha regras. E Manuela explicou-a todas, num tom de voz muito calmo, sem deixar escapar nenhum detalhe. Primeira regra, ninguém, mas mesmo ninguém poderia saber da existência e da localização do clube. Segunda regra: os acompanhantes não seriam impedidos de terem relações sexuais fora do âmbito do clube, desde que não houvesse compromisso. Terceira regra: os acompanhantes não poderiam receber dinheiro por encontros sem o conhecimento dela ou do marido. Quarta regra: seria interdito o relacionamento intimo entre funcionários, dentro ou fora do clube. Quinta regra: a gerente tinha que ter conhecimento imediato de qualquer transgressão de uma das regras anteriores. Sexta regra: o não cumprimento da quinta regra implicaria a expulsão do clube, sem qualquer excepção. Ana ouviu atentamente a explicação clara das regras. Ana foi, no entanto, alvo da sexta regra por parte de Manuela. O grito que a mulher acabou de lançar no centro da sala do 3º direito exaltou-a. Manuela levanta-se e investiga o apartamento da jovem. Aprecia o luxuoso e requintado quarto de Ana, onde ela se arranja, onde ela dorme, onde ela recebe os clientes. Senta-se na cama e acaricia a colcha de veludo.
- Tiveste vergonha, não foi?
- Manuela... quando eu soube da morte do teu marido...
- Ficaste tão transtornada quanto eu...Foi isso?
- Sim...claro que tive vergonha de te dizer algo... e obviamente que fiquei transtornada.
- Porque é que não me disseste?
- As regras sempre foram muito claras.
- Só pedi para cumprir a quinta regra! Não tinha que haver a sexta.
- Lamento... A sexta regra sempre assustou qualquer uma de nós...E foi difícil de evitar...
- Fodeste o meu marido!!
Ana congela. Ela aguardava que a mulher a atacasse com esta verdade. Porque aconteceu. E desde o momento que Ana confrontou o olhar de Manuela na porta do seu apartamento, ela sabia que teria que recordar a verdade. Na primeira noite no clube, Ana conheceu o marido da gerente, Fernando. Ele era como um sócio de Manuela naquela sociedade oculta. Era ele que trazia grande parte dos clientes, dando segurança a todos os membros envolvidos, de que apenas estariam ali dentro homens e mulheres sigilosos e de confiança. Um homem sedutor, com quase sessenta anos, galante, bom falante, excelente ouvinte. Ana nunca negou o fascínio que Fernando lhe proporcionou. Mas isso aconteceu depois da jovem ouvir as regras da casa. Durante imenso tempo, Ana resistiu à tentação. O homem seduzia-a secretamente, mas ela cumpria o que tinha prometido. A sua gerente era Manuela e não ele. Fernando era apenas um elemento distante na vida do clube. Mas a obsessão do homem era aprazível, tentadora. Ana não podia negar que se sentia atraída. Aprender a controlar o desejo e a domá-lo não chegou. Ana envolveu-se com o marido da sua patroa, numa noite em que ele se ofereceu para comprar um encontro. Houve um beijo, houve palavras meigas, houve umas mãos soberbas a invadir o seu corpo como nenhum cliente conseguiu fazer. Houve uma masturbação no elevador da pensão que a deixou fora de si. Houve um momento de paixão no quarto de Ana que ficou marcado em todo o corpo da jovem. Fernando penetrou nela, retirando à mulher qualquer capacidade de reagir. E naquele momento, Ana confessou à sua alma que nunca nenhum homem lhe tinha provocado tamanho sentimento.
- Apaixonei-me... Que te posso dizer mais... O Fernando procurou-me. Ele quis pagar e... e eu apaixonei-me... Nunca te poderia confessar isso. Eu amei o Fernando.
- Eu sabia o que estava a acontecer. Desde a primeira vez que ele te lançou o olhar que eu sabia que iria acontecer... O Fernando comia as acompanhantes todas... E eu sempre o soube... Nunca tive ciúmes... Nós éramos assim... Mas...
Ao fim da noite, Fernando deixou um envelope branco. Ana não quis aceitar. Porque estava apaixonada.
- Se eu tivesse aceitado o dinheiro talvez te pudesse contar. Mas até eu sabia que estava a romper com algo. Não poderia aceitar dinheiro depois de...
De uma noite assim tão perfeita, tão cheia de tudo o que uma mulher como ela podia desejar. E ela quis repetir. E tudo foi repetido. Até Manuela entrar uma noite no quarto da jovem e assistir a uma dupla traição. A sua acompanhante de eleição, a fortuna daquele clube, a menina dos seus olhos, estava a cavalgar em cima do seu marido, libertando um orgasmo revelador, suando uma noite poderosa de carne e volúpia.
- Não te queria magoar... Não queria magoar ninguém...
- Foste a menina em quem mais confiei. Sempre quis ser tua amiga.
- Eras como uma mãe para mim.
- Mas traiste a tua "mãe".
- Não me arrependo de o ter amado, Manuela. As tuas regras não podiam evitar isso. Aconteceu... Não to disse... Também estou arrependida disso. Mas não posso voltar atrás.
- Queres voltar atrás?
- Não. Não posso. Não quero... Estou bem assim. Também te amei e não invocaste a sexta regra.
- É diferente... Fui eu que criei as regras.
- Por isso é que o melhor foi ter saído.
- Sinto a tua falta.
- ...Eu também.
- Vem cá...
Ana chora. Solta duas lágrimas. A conversa é tensa. Recordar aquilo que se procurou esconder pode atormentar todo o corpo. E ela está a tremer. Aproxima-se da cama e deixa que Manuela envolva as mãos maduras nas suas ancas. Ela ansiava por aquele toque. A mulher fixa o olhar na rapariga e sorri, como que um perdão silencioso. O tempo cura algumas coisas e deixa sangrar aquilo que nunca se quis curar. O marido de Manuela e antigo amante de Ana já não está cá. E o rancor pouco ou nada irá resolver. Até porque há sentimentos mais fortes a evocar.
- Estás uma mulher. A mulher mais bonita que alguma vez toquei.
Manuela puxa o cordão vermelho que aperta o robe à cintura da acompanhante. Ana solta um sorriso envergonhado.
- Ias receber o teu cliente de robe?
- Não...Comprei hoje um vestido na nossa loja...
- Quero que o vistas... Quero vê-lo como se fosses recebê-lo. Quero senti-lo como na tua primeira noite no clube.
A mulher pede a Ana para se vestir, tal como estava suposto se ela estivesse para receber o seu cliente. A jovem solta-se vagarosamente do abraço da mulher e regressa à casa de banho, espaço de preparação para qualquer acompanhante de luxo. Menos de cinco minutos decorridos, Ana regressa ao seu quarto. No seu corpo já se colou o vestido preto acetinado, ajustado ao corpo, curtinho, uma palmo acima dos joelhos. Evidencia as suas coxas, por debaixo dos collants de vidro, transparentes. Deixa entender as formas do seu peito, cobertas pelo tecido fino que sugere a suavidade da sua pele. E os seus braços descobertos acentuam o tom sensual que a sua derme hidratada lhe incute. Manuela ainda está sentada na cama, impávida com a postura da sua antiga acompanhante. Mas agora, ela tem o peito desnudado. Ousou despir a blusa elegante que ostentava e retirar a peça interior que lhe cobria os seios flácidos mas bonitos. Ana vem confiante, apesar de ainda receosa das intenções da antiga chefe. Ana sabe-se deslumbrante, apesar da luz não amplificar essa beleza. Ana prende a respiração quando desvenda a pele das costas de Manuela. Subitamente, ela transporta-se a si mesma no tempo, ao sabor das emoções que se guardam eternamente.
- É verdadeiramente fabuloso!.... Estás mesmo linda, Ana!... Precisa apenas de um pequeno jeitinho... Deixa-me só...
Ana inspira. Foi sempre assim que Manuela a conquistou. Era o seu amuleto. Era o seu ensinamento. Como na primeira noite. A professora e gerente do clube entregou um vestido radiante para a jovem Ana vestir e sentir-se a mulher mais bela daquela noite. E ela sentiu-se. Despiu-se diante da mulher desconhecida e experimentou a peça de roupa azul, que lhe tocava na barriga dos pés. Manuela assistia a tudo aquilo e entusiasmava-se. Era ela que lhe dava os últimos conselhos, as derradeiras palavras experientes, os decisivos arranjos no vestido, no cabelo e no corpo da jovem, que se arrepiava com o toque das mãos da mulher. Antes mesmo de descer até ao bar do clube, onde iria escolher o seu primeiro cliente, Ana sentiu a palma das mãos experientes a voltarem a despir o seu vestido. Antes do seu teste decisivo, Ana fez amor com a mulher que orientou para sempre a sua vida.
- Perdoa-me, Manuela... Perdoa-me se não te fui fiel...
Ana sonha. Fecha os olhos, aguardando pelas mãos de Manuela. Gira o seu corpo e vira a sua face para o espelho da cómoda diante de si. A mulher madura levanta-se da cama com presunção e um sorriso excitante. Ela está agora nas costas de Ana e agarra o peito dela com firmeza, por cima do soutien carmesim, depois de abrir o botão que segurava o vestido nas costas, junto ao pescoço. A jovem continua a sonhar. A saber que são as mãos carinhosas da sua antiga educadora a tocar-lhe. A desejar repetir essa emoção que atravessou o seu corpo na primeira noite em que vestiu a máscara nocturna. A querer que a mulher possua essa vontade de ser novamente amada da forma mais surreal que já experimentou. Manuela roça os seus mamilos duros às costas suaves da acompanhante e beija levemente o pescoço dela, depois de desviar os cabelos com o queixo. Ana arrepia-se e geme baixinho. A mulher acaricia os seios com prazer, com convicção, trazendo novamente paixão ao peito sublime que sempre clamou por ser tratado com carinho. As mamas de Ana, redondas, perfeitas, charmosas, tesudas, pulam para fora do soutien rendado e colam-se à pele das mãos da mulher cinquentona. Algo explode dentro da acompanhante, quando o seu peito é tocado com toda a pureza.
Ana entrega-se. Fazer amor com uma mulher de cinquenta e alguns anos é, para Ana, como descobrir as fragilidades que o seu corpo consegue esconder na partilha com outras pessoas. Manuela tem a capacidade de revelar as emoções femininas da jovem num jeito que se pinta incansavelmente na pele de Ana. E por isso, seis anos depois de ter entrado num mundo oculto, em grande parte devido à paixão que sentiu pela mulher madura, a acompanhante desperta para um vigor íntimo que não está ao alcance de quem a queira provar levianamente. Ana é despida com carinho e devoção. Manuela mistura o toque dos seus dedos com a leveza dos seus lábios, enquanto vai descendo pelo corpo jovem. Retira o soutien e beija os seios redondos e macios com intensidade. Os gemidos de Ana são ponderados e demonstram o quanto ela vibra com aquelas acções. A mulher beija o umbigo dela ao mesmo tempo que coloca os joelhos no chão. Encosta a acompanhante à cómoda e enfia os dedos por dentro das cuecas rendadas dela. Puxa a peça de roupa e fá-la escorregar pelas coxas suaves de Ana. A roupa intima parece volátil, assim que a boca de Manuela se cola ao âmago da jovem. Caem até aos tornozelos enquanto a boca da anfitriã solta um gemido agudo e que se dissipa nos ouvidos da amante.
Ana balança. Nua e presa no desejo da mulher, Ana está num limiar perigoso. O mesmo que precipitou a sua saída do clube. Ela está entre a adrenalina de se sentir acompanhante e na paixão de querer sentir verdadeiramente aquela mulher. A jovem balança entre a máscara nocturna e a sua representação diurna. E na indefinição de como tudo irá terminar, Ana deixa-se apoderar pela sede de Manuela. Esta misteriosa mulher, que vincadamente fez parte da vida de Ana durante dois pares de anos, que ensinou os virtuosos segredos do mundo da sedução proibida, que de uma forma muito peculiar transformou a jovem numa mulher confiante, altiva e sexualmente fatal, suga agora toda a viçosidade corporal que a acompanhante acumulou ao longo destes meses em que trabalha por sua conta e risco. A sua língua invade a rata formosa da jovem, introduzindo um calor e uma volúpia que atinge exponencialmente todos os recantos que fervilham dentro de Ana. A jovem cerra os olhos e tenta colocar o rabo firme e macio em cima da cómoda, ao mesmo tempo que abre as pernas para que a boca de Manuela se enterre autenticamente por entre os lábios vaginais. A mulher goza os primeiros sucos íntimos da sua acompanhante predilecta e recorda o quanto aquela alma, que agora ela chupa, lhe trouxe momentos divinos, nos tempos em que Manuela como que a possuía.
Ana treme. A mulher já a deitou na cama. Já perfurou o seu sexo com dois dedos da mão esquerda e com três dedos da mão direita. Já devorou o clítoris com os lábios febris da sua boca. Já apalpou as nádegas redondas da jovem e roçou os dedos pelo buraco anal. Manuela já conseguiu dominar o querer de Ana, assim que ela se deita na sua própria cama, com as pernas dobradas, mas dilatadas, com os braços dobrados, mas seguros aos seios, com a alma rendida mas a deliciar-se com cada toque, cada beijo, cada gesto de intensa paixão, promovidos pelo desejo da antiga patroa. A mulher está agora a deslizar pelo corpo da jovem, com os bicos das suas mamas a roçarem pela derme pura de Ana. Elas envolvem-se agora num abraço sereno, onde há lugar para se tocarem e para trocarem um beijo demorado. Porque aquele beijo é mais do que uma mera troca de bocas. Ana gosta de sentir os seios da mulher madura dentro da sua boca, com os bicos entre os seus dentes. Ana adora escorregar os seus dedos pelas costas da amante, enquanto sente a respiração ansiosa dela. Ana delira com os dedos de Manuela a continuarem a masturbá-la, como se tudo aquilo fosse um eterno prolongamento do prazer. Na cama que testemunhou dezenas de encontros profissionais de Ana, as duas mulheres encontram uma forma surreal de expressar a saudade e o fervor que se acumulou em ambos os corpos, à espera deste momento. As mulheres fazem amor e apesar da enorme distinção de idades, elas formam um ser único.
Ana explode. Na imensa vontade de ser amada e emocionalmente compreendida. No desejo de provar o que outros desdenham. Na fúria de entender o porquê do passado não se ter prolongado. Na ansiedade de querer descobrir o que traz o futuro próximo. Ana vem-se. Expele o acumulado de deleite que a boca, as mãos, os dedos e todo o corpo de Manuela provocou dentro de si. A maioria dos seus clientes consegue provocar à acompanhante um prazer superficial. Não significa que não seja um prazer forte, intenso, recompensador. Mas raramente é um prazer que procura penetrar no interior de Ana. Aquele íntimo que nem ela própria conhece verdadeiramente. Manuela consegue alcançar esse âmago. Consegue dominá-lo. Consegue retirar dele todas as virtudes sensuais da jovem e transportá-la para um mundo onírico que poucas mulheres conseguem sequer imaginar. Manuela sempre procurou conhecer os profissionais com quem trabalha. Aprendeu a dar prazer, ensinando a recebê-lo. Foi isso que fez com a sua protegida. Mas Ana elevou essa sensação de poder. Ana extravasou o deleite que Manuela sentia poder dar. E entre elas criou-se uma simbiose admirada por colegas e por clientes. Como uma parceria vitoriosa. E agora, que a mão de Manuela segura o orgasmo de Ana, agora que a rata se desfaz em palpitações húmidas, agora que as mamas estão rígidas e escaldantes, agora que a ela morde o lábio inferior, explode o prazer que ambas reconheceram necessitar, assim que se confrontaram na porta de entrada do 3º direito. Entre as duas mulheres, o orgasmo é uma encenação perfeita, com direito a um encore. Elas irão continuar a fazer amor pela noite fora, mas este instante é para guardar. Para saborear. Para viver em câmara lenta. Para entender nos gestos que se trocam, nas respirações que se acalmam e nas palavras que se querem dizer. Os olhares partilham-se, procurando entender o que se esconder na alma alheia. Os lábios dilatam-se querendo sorrir, assim que se vai ganhando coragem para desabafar.
- Vais dizer-me agora...o porquê de teres vindo aqui?
- Arrancar de ti este orgasmo poderoso não é motivo suficiente?
- Manuela, eu conheço-te... Eu sei o que me queres pedir... Mas quero ouvi-lo da tua boca...
- As coisas mudaram... Desde que o Fernando morreu, perdemos alguns clientes. Não me sinto satisfeita como algumas acompanhantes entendem o negócio. Mas não as censuro. Os clientes já foram melhores e eu também já fui mais selectiva... Não estou insatisfeita com o que tenho, mas... falta qualquer coisa...
- Irás conseguir encontrar um novo rumo... O clube passou por várias crises e tornou-se ainda melhor depois da tempestade...
- Eu quero que voltes, Ana.
A jovem bloqueia. Ela sabia que Manuela iria fazer aquele pedido. Ela aguardou meses por um instante como este. Ela imaginava a mulher a dizer as palavras que Ana presunçosamente tinha a certeza de um dia ouvir. E quando a sua antiga mentora está deitada ao seu lado na sua cama, com o peito excitado por si a pender até roçar na colcha, com a respiração a colar à sua face, com as mãos molhadas pelo seu íntimo, custa-lhe ouvir aquilo que Manuela disse. E nem a própria Ana julgava que afinal, era indiferente que a mulher o confessasse. Porque agora, ela tem outras convicções.
- Era isto que querias ouvir, não era? - diz Manuela altivamente.
- Era...
- Eu sei que errei. Nunca me devia ter precipitado num julgamento sobre algo que fizeste.
- Eu traí-te, Manuela.
- E ele também... No entanto fiquei com ele até ao último dia.
- E eu teria ficado contigo para sempre...
- Por favor, volta.
- O que eu sou hoje foste tu que me ensinaste. Foste tu que criaste a vida que tenho hoje. E não a quero trocar. Pouca coisa me faz querer trocar esta vida que tenho.... Mas não posso voltar.
- Não vai mudar nada... Terás todas as regalias, as que achas que deves ter... eu mudo as regras que tiver que mudar...
- Adoro o sitio onde moro, Manuela. Este é o sítio onde trabalho e onde me sinto livre.
- Volta, Ana. Peço-te.
- Não...
Sim, elas irão voltar a envolver-se. Irão tornar aquela noite interminável. E mesmo que tudo possa ser derradeiro, Ana não vai voltar. Vai ficar na cama onde sente poder controlar aquilo que faz e que sente. Fazer amor com a mulher de cinquenta e poucos anos conduz o seu corpo a uma sensação de pureza. Olhar a sua antiga patroa frontalmente fá-la reconhecer o quanto aquela mulher foi importante na sua vida. Ouvir as palavras dela parecem sempre novos ensinamentos. Mas como em qualquer escola, esta aluna cresceu. Tornou-se independente e acima de tudo triunfadora, na sua forma única de consagrar o seu corpo e a sua alma. Não será Manuela a demovê-la dos seus desejos. Mas entre estas mulheres ficará sempre uma ligação tão profunda como o que construíram.