sábado

Escola de mulheres

Publicado a 05-01-2009
Onde aprendemos a ser felizes? Onde nos ensinam a ser melhores? Seremos mais audazes que os demais ou julgamos ter conhecido tudo o que o mundo pode oferecer? A vida é um conjunto de peças teatrais onde decoramos as deixas que um coreógrafo nos ensinou e as interpretamos com quem desejamos no palco onde nos sentimos mais confortáveis. Se assim não for, estaremos constantemente a enganarmo-nos e a representar encenações moldadas por quem não nos quer saber concretizados. L'ecole des femmes é uma peça teatral originalmente concebida em 1662, por Móliere, um dos maiores dramaturgos de sempre. Aquilo que a peça conta pouco interessa para o que se segue. Mas a certeza de que algo se aprende nas escolas onde representamos em diversas fases da nossa vida, é preciosa para entender a revelação desta mulher.
Ana prepara-se para colocar a sua máscara nocturna. Passam doze minutos das dezanove horas e o seu corpo está despido. Diante do espelho redentor da casa de banho, a jovem acompanhante vislumbra toda a sua pele e as condições em que o mesmo se encontra. Uma espécie de preparação, de aquecimento, de concentração exigida por ela própria, para que garanta a si mesma a certeza de mais uma noite formidável. Um processo construtivo repetido vezes sem conta, consequência de alguns anos a mascarar-se. A Ana que entrou naquela casa de banho não será a mesma Ana que irá sair daquela divisão. E isso ela tem que confirmar em todos os encontros com clientes. Advogado de renome na cidade. Viúvo, cinquenta e seis anos contados, filhos maiores de idade. O encontro desta noite é uma companhia que lhe garante um serão agradável, sem receios, com uma boa dose de conversa e respeito mútuo. Cliente antigo, este homem procurou Ana pela primeira vez, dois meses após o falecimento da mulher. No final desse primeiro encontro, a acompanhante resignou-se com o facto de que o seu cliente não pretendia sexo. O mais íntimo que houve entre os dois foi um abraço sentido, sem sequer ela se despir. O homem precisava de alguém que o fizesse sentir vivo. E o sorriso dela tornou-se mais importante do que alguma vez ela pôde julgar. Novos encontros repetiram-se. Houve envolvimento sexual. Ocorreram coisas das quais o cliente nunca imaginou ser possível experimentar sexualmente. Surgiram ideias que a própria acompanhante nunca tinha desvendado serem passíveis de introduzir na sua ocupação. Mais do que cliente, o homem tornou-se um amigo. Sem compromissos. Sem sentimentos confundidos. Ele procurava-a. Ela recebia-o. Eles conversavam. Eles fodiam. Ele pagava-lhe. Ela sorria. E nesta noite, isso vai voltar a acontecer. De uma forma ou de outra. Ana capricha um pouco mais para o poder receber como acha que ele merece. O banho já foi tomado. Lavou a pele com pedrinhas perfumadas de Bali. O corpo já se cobriu de um creme rejuvenescedor importado de França. E enquanto as suas mãos percorrem cada recanto do seu corpo, Ana certifica-se que nada em si está adormecido. Ele vai querer comer fora, certamente. Há já algum tempo que se está para proporcionar um jantar num restaurante no topo da cidade. Irão regressar, certamente. Ele vai elogiar-lhe um vestido exclusivo de corte italiano, comprado na sua loja de eleição, peça quase impossível de encontrar noutro corpo feminino. Ele vai despi-la calmamente, com um toque divino que irá fazer a acompanhante sentir-se acarinhada. Debaixo do vestido ele vai querer ser surpreendido. E por isso Ana veste agora uma lingerie capaz de evidenciar todos os pormenores sensuais e erógenos do seu corpo. Ele vai aceitar que a acompanhante o chupe vagarosamente e com dedicação, quando ele estiver sentado no sofá a beber um Porto. Assim, ela escolhe um baton cremoso que evidencia os seus lábios finos mas experientes. O seu cliente poderá com alguma certeza deixar-se dormir e ficar toda a noite. A cama tem um aroma semelhante ao que o seu peito exala agora. Um sorriso descobre-se na face de Ana. Ela olha fixamente no espelho, como que a comunicar consigo mesma. Ela vai comê-lo. Proporcionar-lhe um deleite sexual que se irá manter na memória dele por muito tempo. Na cabeça da jovem acompanhante está a imaginação que ela transforma da forma como ela vai saltar sobre a cintura dele, sentido o seu sexo ainda vigoroso. Sim, pensa ela diante do espelho. Vai ser uma noite poderosa. A confiança que anos de devoção a esta estranha profissão tatuaram no seu corpo evidenciam na postura experiente que ela ainda detém na sua casa de banho, assim que a máscara nocturna de Ana se apresenta. A campainha do seu apartamento toca antes do tempo.
Não é suposto ele chegar tão cedo. Ana é muito rigorosa com a hora marcada e oito em ponto não deixa margem para erro. O seu cliente não costuma contrariar as exigências da sua acompanhante. Ainda assim, Ana não arriscou. Veste um robe branco, de uma seda pura, com um contorno da cor da sua lingerie. Olha em redor e confirma que o seu apartamento está pronto para receber uma visita. Junto à porta de entrada, carrega no botão que a faz aceder ao ecrã do intercomunicador. Na portaria do Edifício Magnólia não está ninguém. Apenas alguns vultos de pessoas que passam na rua. Por descargo de consciência, Ana espreita pelo olho mágico da porta de madeira. Afinal, alguém tocou mesmo à campainha do seu apartamento. Mas não é o seu cliente. É uma mulher. Está de costas para a porta, avistando-se parte de um penteado loiro. Por dois segundos, ela tenta fazer uma associação e figurar quem pode estar inusitadamente à porta de sua casa. Um pequeno calafrio percorre a sua espinha e depois, Ana abre. A estranha mulher que aguardava que a inquilina do 3º direito a recebesse gira o seu corpo, envolvido por um enorme sobretudo castanho e sorri para a jovem.
- Manuela...Mas...Como é que me descobriste? - solta Ana.
- Não foi por teres levado contigo a carteira de clientes, que eles deixaram de vir à minha casa... Por uma noite diferente, consigo muita coisa, minha querida... Consegui a tua morada...
- Estou a ver...
- Vais deixar-me aqui à porta?
Ana desperta. Após a sacudidela na sua alma, Ana recompõe a postura e abre caminho para que a mulher entre em sua casa. A mulher de cinquenta e cinco anos, ar jovial, não obstante as rugas que cortam a sua face bonita, dá três passos e olha sem receio para Ana. Pára por um instante e entrega um beijo meigo e profundo na maçã do rosto da inquilina. Denota-se na aparência dela que é uma mulher vistosa, presunçosa e decidida, para além de evidenciar uma ostentação social. Ao entrar no apartamento, ela parecia querer tomar conta daquele espaço. Ana assiste com alguma incerteza aos passos daquela mulher que não lhe é desconhecida.
- É aqui que trabalhas? - pergunta a intrusa.
Manuela é a gerente de um clube privado de acompanhamento, numa rua discreta mas elegante da cidade. Manuela é também professora universitária num pólo de ensino nos limites urbanos. Manuela é a antiga mentora de Ana, quando a jovem era a coqueluche do seu clube nocturno privado. A mulher que está diante da acompanhante confiante foi a professora da máscara nocturna que hoje Ana se orgulha de colocar. E porque as coisas não terminaram bem, na transição da jovem para esta nova realidade, Ana não consegue esconder o nervosismo que aquela presença surpreendente lhe provocou. Ainda assim, cumpre o seu papel. Segura o casaco que Manuela acaba de retirar.
- Eu perguntei-te se é aqui que trabalhas...
- É...É sim, Manuela... É aqui que trabalho.
- Cheiras maravilhosamente...está a chegar algum cliente?
- Sim...às oito...
- Pois... O que achas?... Estás preparada para recebê-lo?
Ana hesita. O carácter inquisitivo da conversa de Manuela põe a jovem ainda mais desorientada, perdida de confiança. Naturalmente, agora ela não está preparada para receber o seu advogado viúvo. Mas ele vai chegar. E vai encontrar aquela que sempre foi a proxeneta de Ana. Há mais de seis anos, ela era uma rapariga perdida de horizontes. Os desafios que se tinha proposto quando rumou a esta cidade pareciam dissipar-se numa desilusão. A representação era de facto o seu forte, mas os palcos congelavam-na, limitavam-na. Era seu hábito tomar café na esplanada de um lugar reservado e cosmopolita, com a única amiga de infância que estava próxima de si naquela cidade, sendo ela também uma saborosa amante. Na única cadeira que estava vaga na mesa, uma mulher misteriosa, madura e ainda assim bonita, sentou-se, quase sem pedir permissão. Meteu conversa com ambas, mesmo que tivesse dificuldade em receber respostas. Ana e a sua amiga tentavam perceber quem era aquela mulher que fumava com graciosidade e as olhava com um desejo peculiar. O elogio surgiu. Para Manuela, Ana era das jovens mais carismáticas que já tinha conhecido. Uma beleza fascinante e um corpo de cortar a respiração. A amiga da jovem não ficava atrás, mas era Ana que a tinha chamado a atenção quando as viu naquele mesmo café. O convite foi lançado. Manuela pretendia que as duas jovens passassem a noite no clube privado que ela geria em conjunto com o marido. Não era prostituição. Não seria se elas assim o entendessem. Seriam tratadas com princesas, sem qualquer tipo de exigência. Iriam vestir a roupa mais elegante que alguma vez se colou ao corpo delas, iriam tomar as bebidas mais ousadas que pudessem experimentar, iriam escolher o homem que mais as pudesse excitar. Sem compromisso. No maior sigilo que se podia prometer. A amiga de Ana recusou veemente. Manuela lançou um olhar presunçoso para essa jovem e nem sequer se incomodou quando ela quis ir embora. Ana ficou. Não porque tivesse aceite o convite. Apenas e só pelo facto de se ter fixado em Manuela. As duas mulheres cruzaram um olhar inesquecível. A senhora elegante que estava diante de Ana sabia que a podia convencer. Um envelope branco foi colocado em cima da mesa. Manuela confiou na oculta consciência de Ana. Deixou o envelope onde estava a morada do clube e uma nota gorda, levantou-se da cadeira e de pé, deu-lhe um beijo na testa. A mulher estava convicta de que na mente de Ana, ela já tinha aceite o convite ousado mas deslumbrante.
- Não achas que é melhor informá-lo?
- Do quê?!
- De que vais adiar o encontro.
- Porque haveria de fazer isso?
- Diz-me que não me queres aqui.
Ana silencia. Ano e meio após ter saído abruptamente do clube, a jovem não mais entrou em contacto com a sua mentora. Porque ela sempre a considerou mentora. E não encontrava outro substantivo que qualificasse o papel de Manuela na sua vida. Sim, ela quer aquela mulher ali. Sentada no seu sofá. A fumar o cigarro intenso. A oferecer-lhe o sorriso meigo mas violentamente presunçoso. Sim, mesmo após tanto tempo de ausência, Ana quere-a ali e algo mais.
- Nunca duvidei que te pudesses dar bem noutro lado. - diz Manuela.
- Mas desejaste que me arrependesse do que fiz depois de sair...
- Estás arrependida?
- ...Tenho saudades... Mas não estou arrependida. E sim, estou a dar-me muito bem aqui.
- Tens tido problemas?
- É como morar num sitio sublime e poder trabalhar em paz.
- Os clientes ajudam...
- Manuela, se vens exigir que não esteja com os teus clientes...
- Tens o direito de os querer. Sempre foram os teus clientes. Respeito isso e não te quero mal... Por favor, liga ao teu encontro.
Ana resigna-se. Na verdade, dentro dela há uma ansiedade enorme. Ela deseja Manuela ali. Exactamente ali. Mas Ana sempre foi uma mulher de palavra. E não é do seu agrado cancelar um encontro em cima da hora, especialmente com um cliente tão fiel. Mas ela faz a chamada. Diante da sua antiga patroa, a acompanhante cancela educadamente a marcação que lhe iria ocupar esta noite.
- O que queres de mim, ao fim de tanto tempo, Manuela?
- ...Estou bem, obrigada... O clube ainda funciona e as meninas ainda gostam de lá estar.
- ...Desculpa... Como estão elas?
- Tens razão... Não posso querer ser vossa mãe para sempre.
- A Verónica?
- Casou-se...
- E a Bianca?...
- Achava que já não tinha idade para o fazer. Saiu há um mês.
- A Tatiana?...
- Desde que te foste embora que é a nossa melhor acompanhante.
- E o Nuno?
- As mulheres pagam-lhe muito bem. Parece que a idade lhe faz bem.
Ana sorri. Faz-lhe bem saber das boas novas do sitio onde trabalhou durante um período crucial na sua vida. Ela recorda-se da primeira vez que entrou naquele prédio, semelhante a uma pensão. Vestia a roupa mais sensual que tinha no seu guarda-fatos e procurava manter um ar reservado. Foi Manuela quem a recebeu, depois de passar o segurança. Antes mesmo da noite cair, a mulher mostrou o bar restaurante que se situava na cave do edifício. À medida que chegavam, Manuela apresentava as acompanhantes que a cumprimentaram com um sorriso muito generoso. Mulheres bem vestidas, com um ar muito sereno, sensuais e desfasadas do estereotipado modelo de prostituta. Ana conheceu também o único acompanhante masculino da equipa. Um jovem mulato, com um corpo excitante, umas mãos extraordinárias e um sorriso fatal. Faltava conhecer a pensão. Para aquela primeira noite, Manuela tinha prometido um vestido novo e o melhor quarto à disposição. Para concluir, ela só tinha que decidir se queria convidar algum homem que se apresentasse no bar, nessa mesma noite. Ao entrar no quarto privado de Manuela, Ana sentia-se cada vez menos receosa do que estava a fazer.
- E tu, como estás? - pergunta Ana.
- Eu creio que sabes como estou...
- Não, não sei, Manuela...
- O Fernando...ele...
- Eu soube... os meus pêsames...
- Posso saber porque é que não me dirigiste palavra no cemitério?
- ...Nem eu sei, Manuela...
- Uma ova que não sabes, Ana!!...
Ana recua. Nessa primeira noite, no quarto de Manuela, a mulher tornou-se extremamente carinhosa para Ana. Ninguém tinha prometido nada. Seria só uma noite. A jovem não precisava de voltar. Iria receber, mas sem obrigação de se envolver fosse com quem fosse. Ainda assim, o clube tinha regras. E Manuela explicou-a todas, num tom de voz muito calmo, sem deixar escapar nenhum detalhe. Primeira regra, ninguém, mas mesmo ninguém poderia saber da existência e da localização do clube. Segunda regra: os acompanhantes não seriam impedidos de terem relações sexuais fora do âmbito do clube, desde que não houvesse compromisso. Terceira regra: os acompanhantes não poderiam receber dinheiro por encontros sem o conhecimento dela ou do marido. Quarta regra: seria interdito o relacionamento intimo entre funcionários, dentro ou fora do clube. Quinta regra: a gerente tinha que ter conhecimento imediato de qualquer transgressão de uma das regras anteriores. Sexta regra: o não cumprimento da quinta regra implicaria a expulsão do clube, sem qualquer excepção. Ana ouviu atentamente a explicação clara das regras. Ana foi, no entanto, alvo da sexta regra por parte de Manuela. O grito que a mulher acabou de lançar no centro da sala do 3º direito exaltou-a. Manuela levanta-se e investiga o apartamento da jovem. Aprecia o luxuoso e requintado quarto de Ana, onde ela se arranja, onde ela dorme, onde ela recebe os clientes. Senta-se na cama e acaricia a colcha de veludo.
- Tiveste vergonha, não foi?
- Manuela... quando eu soube da morte do teu marido...
- Ficaste tão transtornada quanto eu...Foi isso?
- Sim...claro que tive vergonha de te dizer algo... e obviamente que fiquei transtornada.
- Porque é que não me disseste?
- As regras sempre foram muito claras.
- Só pedi para cumprir a quinta regra! Não tinha que haver a sexta.
- Lamento... A sexta regra sempre assustou qualquer uma de nós...E foi difícil de evitar...
- Fodeste o meu marido!!
Ana congela. Ela aguardava que a mulher a atacasse com esta verdade. Porque aconteceu. E desde o momento que Ana confrontou o olhar de Manuela na porta do seu apartamento, ela sabia que teria que recordar a verdade. Na primeira noite no clube, Ana conheceu o marido da gerente, Fernando. Ele era como um sócio de Manuela naquela sociedade oculta. Era ele que trazia grande parte dos clientes, dando segurança a todos os membros envolvidos, de que apenas estariam ali dentro homens e mulheres sigilosos e de confiança. Um homem sedutor, com quase sessenta anos, galante, bom falante, excelente ouvinte. Ana nunca negou o fascínio que Fernando lhe proporcionou. Mas isso aconteceu depois da jovem ouvir as regras da casa. Durante imenso tempo, Ana resistiu à tentação. O homem seduzia-a secretamente, mas ela cumpria o que tinha prometido. A sua gerente era Manuela e não ele. Fernando era apenas um elemento distante na vida do clube. Mas a obsessão do homem era aprazível, tentadora. Ana não podia negar que se sentia atraída. Aprender a controlar o desejo e a domá-lo não chegou. Ana envolveu-se com o marido da sua patroa, numa noite em que ele se ofereceu para comprar um encontro. Houve um beijo, houve palavras meigas, houve umas mãos soberbas a invadir o seu corpo como nenhum cliente conseguiu fazer. Houve uma masturbação no elevador da pensão que a deixou fora de si. Houve um momento de paixão no quarto de Ana que ficou marcado em todo o corpo da jovem. Fernando penetrou nela, retirando à mulher qualquer capacidade de reagir. E naquele momento, Ana confessou à sua alma que nunca nenhum homem lhe tinha provocado tamanho sentimento.
- Apaixonei-me... Que te posso dizer mais... O Fernando procurou-me. Ele quis pagar e... e eu apaixonei-me... Nunca te poderia confessar isso. Eu amei o Fernando.
- Eu sabia o que estava a acontecer. Desde a primeira vez que ele te lançou o olhar que eu sabia que iria acontecer... O Fernando comia as acompanhantes todas... E eu sempre o soube... Nunca tive ciúmes... Nós éramos assim... Mas...
Ao fim da noite, Fernando deixou um envelope branco. Ana não quis aceitar. Porque estava apaixonada.
- Se eu tivesse aceitado o dinheiro talvez te pudesse contar. Mas até eu sabia que estava a romper com algo. Não poderia aceitar dinheiro depois de...
De uma noite assim tão perfeita, tão cheia de tudo o que uma mulher como ela podia desejar. E ela quis repetir. E tudo foi repetido. Até Manuela entrar uma noite no quarto da jovem e assistir a uma dupla traição. A sua acompanhante de eleição, a fortuna daquele clube, a menina dos seus olhos, estava a cavalgar em cima do seu marido, libertando um orgasmo revelador, suando uma noite poderosa de carne e volúpia.
- Não te queria magoar... Não queria magoar ninguém...
- Foste a menina em quem mais confiei. Sempre quis ser tua amiga.
- Eras como uma mãe para mim.
- Mas traiste a tua "mãe".
- Não me arrependo de o ter amado, Manuela. As tuas regras não podiam evitar isso. Aconteceu... Não to disse... Também estou arrependida disso. Mas não posso voltar atrás.
- Queres voltar atrás?
- Não. Não posso. Não quero... Estou bem assim. Também te amei e não invocaste a sexta regra.
- É diferente... Fui eu que criei as regras.
- Por isso é que o melhor foi ter saído.
- Sinto a tua falta.
- ...Eu também.
- Vem cá...
Ana chora. Solta duas lágrimas. A conversa é tensa. Recordar aquilo que se procurou esconder pode atormentar todo o corpo. E ela está a tremer. Aproxima-se da cama e deixa que Manuela envolva as mãos maduras nas suas ancas. Ela ansiava por aquele toque. A mulher fixa o olhar na rapariga e sorri, como que um perdão silencioso. O tempo cura algumas coisas e deixa sangrar aquilo que nunca se quis curar. O marido de Manuela e antigo amante de Ana já não está cá. E o rancor pouco ou nada irá resolver. Até porque há sentimentos mais fortes a evocar.
- Estás uma mulher. A mulher mais bonita que alguma vez toquei.
Manuela puxa o cordão vermelho que aperta o robe à cintura da acompanhante. Ana solta um sorriso envergonhado.
- Ias receber o teu cliente de robe?
- Não...Comprei hoje um vestido na nossa loja...
- Quero que o vistas... Quero vê-lo como se fosses recebê-lo. Quero senti-lo como na tua primeira noite no clube.
A mulher pede a Ana para se vestir, tal como estava suposto se ela estivesse para receber o seu cliente. A jovem solta-se vagarosamente do abraço da mulher e regressa à casa de banho, espaço de preparação para qualquer acompanhante de luxo. Menos de cinco minutos decorridos, Ana regressa ao seu quarto. No seu corpo já se colou o vestido preto acetinado, ajustado ao corpo, curtinho, uma palmo acima dos joelhos. Evidencia as suas coxas, por debaixo dos collants de vidro, transparentes. Deixa entender as formas do seu peito, cobertas pelo tecido fino que sugere a suavidade da sua pele. E os seus braços descobertos acentuam o tom sensual que a sua derme hidratada lhe incute. Manuela ainda está sentada na cama, impávida com a postura da sua antiga acompanhante. Mas agora, ela tem o peito desnudado. Ousou despir a blusa elegante que ostentava e retirar a peça interior que lhe cobria os seios flácidos mas bonitos. Ana vem confiante, apesar de ainda receosa das intenções da antiga chefe. Ana sabe-se deslumbrante, apesar da luz não amplificar essa beleza. Ana prende a respiração quando desvenda a pele das costas de Manuela. Subitamente, ela transporta-se a si mesma no tempo, ao sabor das emoções que se guardam eternamente.
- É verdadeiramente fabuloso!.... Estás mesmo linda, Ana!... Precisa apenas de um pequeno jeitinho... Deixa-me só...
Ana inspira. Foi sempre assim que Manuela a conquistou. Era o seu amuleto. Era o seu ensinamento. Como na primeira noite. A professora e gerente do clube entregou um vestido radiante para a jovem Ana vestir e sentir-se a mulher mais bela daquela noite. E ela sentiu-se. Despiu-se diante da mulher desconhecida e experimentou a peça de roupa azul, que lhe tocava na barriga dos pés. Manuela assistia a tudo aquilo e entusiasmava-se. Era ela que lhe dava os últimos conselhos, as derradeiras palavras experientes, os decisivos arranjos no vestido, no cabelo e no corpo da jovem, que se arrepiava com o toque das mãos da mulher. Antes mesmo de descer até ao bar do clube, onde iria escolher o seu primeiro cliente, Ana sentiu a palma das mãos experientes a voltarem a despir o seu vestido. Antes do seu teste decisivo, Ana fez amor com a mulher que orientou para sempre a sua vida.
- Perdoa-me, Manuela... Perdoa-me se não te fui fiel...
Ana sonha. Fecha os olhos, aguardando pelas mãos de Manuela. Gira o seu corpo e vira a sua face para o espelho da cómoda diante de si. A mulher madura levanta-se da cama com presunção e um sorriso excitante. Ela está agora nas costas de Ana e agarra o peito dela com firmeza, por cima do soutien carmesim, depois de abrir o botão que segurava o vestido nas costas, junto ao pescoço. A jovem continua a sonhar. A saber que são as mãos carinhosas da sua antiga educadora a tocar-lhe. A desejar repetir essa emoção que atravessou o seu corpo na primeira noite em que vestiu a máscara nocturna. A querer que a mulher possua essa vontade de ser novamente amada da forma mais surreal que já experimentou. Manuela roça os seus mamilos duros às costas suaves da acompanhante e beija levemente o pescoço dela, depois de desviar os cabelos com o queixo. Ana arrepia-se e geme baixinho. A mulher acaricia os seios com prazer, com convicção, trazendo novamente paixão ao peito sublime que sempre clamou por ser tratado com carinho. As mamas de Ana, redondas, perfeitas, charmosas, tesudas, pulam para fora do soutien rendado e colam-se à pele das mãos da mulher cinquentona. Algo explode dentro da acompanhante, quando o seu peito é tocado com toda a pureza.
Ana entrega-se. Fazer amor com uma mulher de cinquenta e alguns anos é, para Ana, como descobrir as fragilidades que o seu corpo consegue esconder na partilha com outras pessoas. Manuela tem a capacidade de revelar as emoções femininas da jovem num jeito que se pinta incansavelmente na pele de Ana. E por isso, seis anos depois de ter entrado num mundo oculto, em grande parte devido à paixão que sentiu pela mulher madura, a acompanhante desperta para um vigor íntimo que não está ao alcance de quem a queira provar levianamente. Ana é despida com carinho e devoção. Manuela mistura o toque dos seus dedos com a leveza dos seus lábios, enquanto vai descendo pelo corpo jovem. Retira o soutien e beija os seios redondos e macios com intensidade. Os gemidos de Ana são ponderados e demonstram o quanto ela vibra com aquelas acções. A mulher beija o umbigo dela ao mesmo tempo que coloca os joelhos no chão. Encosta a acompanhante à cómoda e enfia os dedos por dentro das cuecas rendadas dela. Puxa a peça de roupa e fá-la escorregar pelas coxas suaves de Ana. A roupa intima parece volátil, assim que a boca de Manuela se cola ao âmago da jovem. Caem até aos tornozelos enquanto a boca da anfitriã solta um gemido agudo e que se dissipa nos ouvidos da amante.
Ana balança. Nua e presa no desejo da mulher, Ana está num limiar perigoso. O mesmo que precipitou a sua saída do clube. Ela está entre a adrenalina de se sentir acompanhante e na paixão de querer sentir verdadeiramente aquela mulher. A jovem balança entre a máscara nocturna e a sua representação diurna. E na indefinição de como tudo irá terminar, Ana deixa-se apoderar pela sede de Manuela. Esta misteriosa mulher, que vincadamente fez parte da vida de Ana durante dois pares de anos, que ensinou os virtuosos segredos do mundo da sedução proibida, que de uma forma muito peculiar transformou a jovem numa mulher confiante, altiva e sexualmente fatal, suga agora toda a viçosidade corporal que a acompanhante acumulou ao longo destes meses em que trabalha por sua conta e risco. A sua língua invade a rata formosa da jovem, introduzindo um calor e uma volúpia que atinge exponencialmente todos os recantos que fervilham dentro de Ana. A jovem cerra os olhos e tenta colocar o rabo firme e macio em cima da cómoda, ao mesmo tempo que abre as pernas para que a boca de Manuela se enterre autenticamente por entre os lábios vaginais. A mulher goza os primeiros sucos íntimos da sua acompanhante predilecta e recorda o quanto aquela alma, que agora ela chupa, lhe trouxe momentos divinos, nos tempos em que Manuela como que a possuía.
Ana treme. A mulher já a deitou na cama. Já perfurou o seu sexo com dois dedos da mão esquerda e com três dedos da mão direita. Já devorou o clítoris com os lábios febris da sua boca. Já apalpou as nádegas redondas da jovem e roçou os dedos pelo buraco anal. Manuela já conseguiu dominar o querer de Ana, assim que ela se deita na sua própria cama, com as pernas dobradas, mas dilatadas, com os braços dobrados, mas seguros aos seios, com a alma rendida mas a deliciar-se com cada toque, cada beijo, cada gesto de intensa paixão, promovidos pelo desejo da antiga patroa. A mulher está agora a deslizar pelo corpo da jovem, com os bicos das suas mamas a roçarem pela derme pura de Ana. Elas envolvem-se agora num abraço sereno, onde há lugar para se tocarem e para trocarem um beijo demorado. Porque aquele beijo é mais do que uma mera troca de bocas. Ana gosta de sentir os seios da mulher madura dentro da sua boca, com os bicos entre os seus dentes. Ana adora escorregar os seus dedos pelas costas da amante, enquanto sente a respiração ansiosa dela. Ana delira com os dedos de Manuela a continuarem a masturbá-la, como se tudo aquilo fosse um eterno prolongamento do prazer. Na cama que testemunhou dezenas de encontros profissionais de Ana, as duas mulheres encontram uma forma surreal de expressar a saudade e o fervor que se acumulou em ambos os corpos, à espera deste momento. As mulheres fazem amor e apesar da enorme distinção de idades, elas formam um ser único.
Ana explode. Na imensa vontade de ser amada e emocionalmente compreendida. No desejo de provar o que outros desdenham. Na fúria de entender o porquê do passado não se ter prolongado. Na ansiedade de querer descobrir o que traz o futuro próximo. Ana vem-se. Expele o acumulado de deleite que a boca, as mãos, os dedos e todo o corpo de Manuela provocou dentro de si. A maioria dos seus clientes consegue provocar à acompanhante um prazer superficial. Não significa que não seja um prazer forte, intenso, recompensador. Mas raramente é um prazer que procura penetrar no interior de Ana. Aquele íntimo que nem ela própria conhece verdadeiramente. Manuela consegue alcançar esse âmago. Consegue dominá-lo. Consegue retirar dele todas as virtudes sensuais da jovem e transportá-la para um mundo onírico que poucas mulheres conseguem sequer imaginar. Manuela sempre procurou conhecer os profissionais com quem trabalha. Aprendeu a dar prazer, ensinando a recebê-lo. Foi isso que fez com a sua protegida. Mas Ana elevou essa sensação de poder. Ana extravasou o deleite que Manuela sentia poder dar. E entre elas criou-se uma simbiose admirada por colegas e por clientes. Como uma parceria vitoriosa. E agora, que a mão de Manuela segura o orgasmo de Ana, agora que a rata se desfaz em palpitações húmidas, agora que as mamas estão rígidas e escaldantes, agora que a ela morde o lábio inferior, explode o prazer que ambas reconheceram necessitar, assim que se confrontaram na porta de entrada do 3º direito. Entre as duas mulheres, o orgasmo é uma encenação perfeita, com direito a um encore. Elas irão continuar a fazer amor pela noite fora, mas este instante é para guardar. Para saborear. Para viver em câmara lenta. Para entender nos gestos que se trocam, nas respirações que se acalmam e nas palavras que se querem dizer. Os olhares partilham-se, procurando entender o que se esconder na alma alheia. Os lábios dilatam-se querendo sorrir, assim que se vai ganhando coragem para desabafar.
- Vais dizer-me agora...o porquê de teres vindo aqui?
- Arrancar de ti este orgasmo poderoso não é motivo suficiente?
- Manuela, eu conheço-te... Eu sei o que me queres pedir... Mas quero ouvi-lo da tua boca...
- As coisas mudaram... Desde que o Fernando morreu, perdemos alguns clientes. Não me sinto satisfeita como algumas acompanhantes entendem o negócio. Mas não as censuro. Os clientes já foram melhores e eu também já fui mais selectiva... Não estou insatisfeita com o que tenho, mas... falta qualquer coisa...
- Irás conseguir encontrar um novo rumo... O clube passou por várias crises e tornou-se ainda melhor depois da tempestade...
- Eu quero que voltes, Ana.
A jovem bloqueia. Ela sabia que Manuela iria fazer aquele pedido. Ela aguardou meses por um instante como este. Ela imaginava a mulher a dizer as palavras que Ana presunçosamente tinha a certeza de um dia ouvir. E quando a sua antiga mentora está deitada ao seu lado na sua cama, com o peito excitado por si a pender até roçar na colcha, com a respiração a colar à sua face, com as mãos molhadas pelo seu íntimo, custa-lhe ouvir aquilo que Manuela disse. E nem a própria Ana julgava que afinal, era indiferente que a mulher o confessasse. Porque agora, ela tem outras convicções.
- Era isto que querias ouvir, não era? - diz Manuela altivamente.
- Era...
- Eu sei que errei. Nunca me devia ter precipitado num julgamento sobre algo que fizeste.
- Eu traí-te, Manuela.
- E ele também... No entanto fiquei com ele até ao último dia.
- E eu teria ficado contigo para sempre...
- Por favor, volta.
- O que eu sou hoje foste tu que me ensinaste. Foste tu que criaste a vida que tenho hoje. E não a quero trocar. Pouca coisa me faz querer trocar esta vida que tenho.... Mas não posso voltar.
- Não vai mudar nada... Terás todas as regalias, as que achas que deves ter... eu mudo as regras que tiver que mudar...
- Adoro o sitio onde moro, Manuela. Este é o sítio onde trabalho e onde me sinto livre.
- Volta, Ana. Peço-te.
- Não...
Sim, elas irão voltar a envolver-se. Irão tornar aquela noite interminável. E mesmo que tudo possa ser derradeiro, Ana não vai voltar. Vai ficar na cama onde sente poder controlar aquilo que faz e que sente. Fazer amor com a mulher de cinquenta e poucos anos conduz o seu corpo a uma sensação de pureza. Olhar a sua antiga patroa frontalmente fá-la reconhecer o quanto aquela mulher foi importante na sua vida. Ouvir as palavras dela parecem sempre novos ensinamentos. Mas como em qualquer escola, esta aluna cresceu. Tornou-se independente e acima de tudo triunfadora, na sua forma única de consagrar o seu corpo e a sua alma. Não será Manuela a demovê-la dos seus desejos. Mas entre estas mulheres ficará sempre uma ligação tão profunda como o que construíram.

6 comentários:

Lize disse...

:) Adoro sempre os posts da Ana e do Rafael... Mas os da Ana não são só e apenas contos eróticos bem escritos. São também mensagens de vida, de alma, ensinamentos até sobre a vida e o amor, a paixão. Não só sobre o normal amor entre homem e mulher, com traição, com angústias, com swings e ménages... Não, os posts da Ana revelam o amor que ela tem por si própria, que tem pelas pessoas do passado (como a mentora e o marido falecido) e pelas pessoas do presente (e talvez futuro?) como Rafael.


Beijocas. Estás mesmo de volta? :P

Magnolia disse...

LIZE, bem... na verdade, não sei se estou mesmo de volta. Sinceramente, não sei exactamente o que é estar de volta, nem tão pouco posso prometer que estarei efectivamente de volta, por mais que gostasse imenso de estar de volta, mesmo a sério. Hoje haverá mais desenvolvimentos quanto a isto :)
Também considero a Ana uma personagem muito forte, muito intensa e considero que pode despertar paixões diversas. O Rafael será um prolongamento desse amor de Ana, mas talvez nem isso seja assim tão simples.
Beijinhos

Papinha disse...

Aqui está a minha personagem de eleição, em que todos os seus envolvimentos estão carregados de prazer, e emoções verdadeiras, tão verdadeiras que só alguns, durante a sua vida, terão o privilégio das sentir. São emoções de auto conhecimento puro e verdadeiro!

Um grande beijinho
P@pinh@

Magnolia disse...

PAPINHA, é bom ver que os bons leitores se orientam para um inquilino. :) E agradeço-te as palavras!
beijinhos

Unknown disse...

Pois, Ana realmente também é uma das minhas personagens preferidas, precisamente pelo carácter forte. Agradeço-te teres-nos apresentado a sua mentora.
jocas

Magnolia disse...

LUA FEITICEIRA, começo a gostar de ver a envolvência que os leitores estimados têm pela Ana. Faz sentir o investimento dado à narração da personagem e do seu mundo. Foi um prazer ter revelado uma mulher tão integrante da vida dela. Mais revelações acabarão por surgir, porque a vida de Ana precisa mais do que uma fracção de um prédio, um blogue e duas dúzias de posts para a tornar íntegra.
beijinhos.