quarta-feira

Nua

Publicado a 21-10-2008
Há uma fotografia que guarda o intimo feminino numa concha, explorando toda a sensualidade de uma mulher na sua essência. Não se exibem seios, não se demonstra o sexo e as nádegas apenas e só são sugeridas. A nudez desta fotografia está exposta na melancolia da postura, no obscuro dos sentimentos e na necessidade de carinho que o modelo transmite. Nude, de 1936, é uma obra artística de Edward Weston, fotógrafo americano. Pinta numa imagem concreta o invólucro feminino. Molda um objecto sensual numa harmonia gestual, carregado de emoções, segredos e palpitações. Faz imaginar uma dança estática, ansiosa e definida. Há uma fotografia, com uma sombra indesejada, que retrata a emoção feminina num único sentimento.
O Espaço Magnólia mistura o corrupio habitual de clientes stressados de um final de tarde com a serenidade do ambiente próprio do estabelecimento, pormenor que o torna num lugar surreal. É possível relaxar num sofá enquanto funcionários públicos pedem uma sandes mista. Há vagar para ouvir as músicas entoadas na jukebox, ao mesmo tempo que o gestor empresarial bebe o décimo café do dia. Existe tempo para sonhar por entre um batido e uma tosta de queijo, mesmo sabendo que um grupo de jovens fala num tom de voz muito alto. Aqui dentro ainda é assim. A rotina diária pode esperar entre um café e um pedaço de sonho, inscrito nas mesas surreais do Espaço. Lúcia procura o melhor de dois estados de espírito no estabelecimento por debaixo do apartamento onde reside. Para estudar, ela precisa de tranquilidade e abstracção do mundo real. Mas para conseguir absorver o objecto de estudo e consumir as suas potencialidades, a jovem aceita rodear-se dos melhores colegas de turma no seu curso. Lúcia está sentada numa mesa, num dos cantos do Espaço Magnólia. Bebe o enorme batido de morango que lhe arrefece a garganta frenética. Divulga as conclusões da leitura e interpretação de mais uma obra psicanalista às colegas que se sentam na mesma mesa que ela. Três jovens que partilham os conhecimentos com uma das melhores alunas da turma. E desta forma, é possível beber o ambiente do Espaço, relaxando a mente, ao mesmo tempo que se corre em contra-relógio para a assimilação de uma matéria que exige concentração. O ritmo intenso do curso assim o dita. Desde o inicio da tarde que as quatro mulheres debatem os vários pontos de estudo. As amigas de Lúcia já incorporaram a mítica envolvência do café sitiado no Edifício Magnólia. Clientes entraram. Clientes saíram. Pessoas com pressa. Pessoas com tempo. Pedidos rápidos. Pedidos exigentes. Mulheres que trocam segredos. Homens que lêem o jornal. Mas ninguém se mantém tanto tempo dentro deste lugar como as quatro jovens. O cansaço abate-se naturalmente de uma forma progressiva. Há intervalos cada vez maiores. Há conversas que se estendem um pouco mais. Não foi marcada uma hora de conclusão do estudo, mas é notório que a vontade já cessou. Lúcia procura sustentar as poucas forças que lhe restam. Termina a última linha da vigésima segunda folha de apontamentos escrita. Devoção não lhe falta e o seu olhar está embutido entre o caderno, os dois livros que enchem a mesa e um breve dispersar discreto.
- Lúcia...ainda não paraste de escrever... - diz uma das colegas.
- Estou só a acabar este capítulo. - responde Lúcia.
- Já é a quinta vez que nos dizes isso...
- Quero acabar isto e sair daqui, tanto quanto vocês...
- Estou farta de olhar para este livro e....
- Já repararam na mulher que está ali? - notou a colega de Lúcia do seu lado esquerdo.
- Quem?!
- Shiuu...Não dêem nas vistas... Ali...Junto à jukebox...Há uns bons vinte minutos que está a olhar para este lado.
- O que tem? - pergunta Lúcia.
- ....O que tem?!!... Não gosto que fiquem a olhar assim para mim... Ainda por cima com uma máquina fotográfica...
Uns metros à frente, junto à máquina de música do Espaço, está sentada uma mulher. Sozinha. Sinistra. Lúcia já tinha reparado nela. O olhar disperso da jovem apercebeu-se de uma atenção que estava efectivamente a ser direccionado para a sua mesa. A mulher respira um ar inquietante. Na casa dos trinta anos, mas ainda jovem. Cabelo curto preto, lábios finos pintados num vermelho aguerrido mas ainda assim discreto, e uns olhos escuros penetrantes. Sim. Lúcia já tinha denotado a presença peculiar que mantinha a atenção entre a sua mesa e a máquina fotográfica profissional que segura nas mãos. Parece ajustar as definições da lente ou algo parecido. Parece visualizar as imagens já conseguidas, fazendo uma selecção pessoal. E depois, volta a erguer o olhar.
- Achas que ela está a olhar para alguma de nós? - pergunta uma das colegas de Lúcia.
- Porque raio haveria de estar?! - questiona outra.
- Provavelmente está a olhar para a rua... - atira Lúcia.
Na mesa encostada aos vidros da fachada, as jovens procuram ser discretas. Mas já é demasiado evidente que elas percepcionaram o olhar indiscreto. E quando Lúcia pretendia voltar à sua concentração, o seu olhar encontra-se com os olhos da mulher. Alucinante. Como uma força demolidora que a arrastou, a jovem congela a sua postura. A mão direita pousa sobre o caderno e tal como tantas vezes no Espaço Magnólia, a surrealidade invade a sua envolvência. Deixa de existir o estabelecimento. As suas colegas parecem não estar ali. Nem sequer a mesa sobra, no mergulho que a sua mente efectuou. O olhar da mulher agarrou-a. Lúcia nunca a viu. Nem sequer consegue ter uma ideia de quem possa ser ou o que queira. Mas no fervilhante movimento do café, a mulher prende a sua atenção. Ela tem um ar casual, muito descontraído. Veste uma blusa de algodão fina, com dois botões abertos, salientado ligeiramente o peito. As mangas estão dobradas quase até ao cotovelo. Nela, resiste uma ideia muito ténue de feminidade. O olhar entre elas não se cruza. Choca. Consome a respiração de ambas. E na intimidade desse olhar é captada mutuamente uma chama que já se desejou numa altura indecifrável.
- Ela está a olhar para a Lúcia... - refere uma das jovens.
- Muito esquisito...
- Achas que ela é lésbica?
- É lésbica.
Os comentários das amigas de Lúcia são apenas vozes soltas na mente da jovem. Ela já não está ali. Até mesmo a música que se solta da jukebox se desfaz na concentração imensa no olhar da mulher estranha. Quente, misterioso, viciante. O sorriso da mulher começa a abrir-se ligeiramente. E num gesto muito sereno e descomprometido, a mulher levanta a enorme máquina fotográfica, coloca-a junto à face e aponta-a na direcção da mesa das jovens. Na mente de Lúcia, mais rápido que a surpresa do gesto, mais inconsciente que a interpretação do acto, entra o som trovejante do disparo da máquina. E ela sente-se retratada. A mulher baixa a máquina e liberta o seu melhor sorriso. O ar incrédulo das colegas de Lúcia não pode ser maior. Ainda assim, ela mantém-se calma no exterior. Finge que não deu relevância à acção e volta a cingir o olhar no seu caderno. Mas tudo aquilo já aconteceu. Uma mulher sensual, de aparência arrapazada e com um olhar magnético, acaba de a fotografar e retirar parte da sua essência para dentro de uma máquina.
- Lúcia!...
- O que foi?!- responde Lúcia veemente.
- O que vais fazer?
- Tenho que fazer alguma coisa?!...
- A mulher está-se a atirar a ti...
Por entre risos trocistas, olhares dispersos e confusos, misturado na confusão do Espaço, Lúcia não sabe o que fazer. Alguém teve a ousadia de lhe tirar uma fotografia no meio de um lugar público, sem a prévia autorização. É proibido, certamente, pensa ela. Mas excitante. E antes que ela pudesse pensar. Antes que ela decidisse se iria levantar-se e repreender a mulher ou ficar calada. Antes que ela conseguisse deduzir o que deveria fazer, a mulher misteriosa levanta-se. Pega numa enorme mala onde devia guardar o material fotográfico e afasta-se da mesa onde tomou o café. O coração de Lúcia pula. O entusiasmo das suas colegas aumenta. E a mulher aproxima-se, no seu caminhar conciso, da mesa das quatro jovens. Há um ambiente apreensivo naquele canto do Espaço. Lúcia fecha o caderno e ergue o olhar assim que percebe que a mulher se encosta a si e a fixa. Um breve silêncio antecede a curiosidade da jovem.
- Porque é que me fotografaste?
- Para te dizer que me fixei a ti.
- E precisas de tirar fotografias para o dizer?
- Costumo falar pelas imagens que capto.
- ...E o que dizem as tuas imagens?
- Se as conseguisse descarregar, dizia-te...
A surrealidade do Espaço Magnólia atinge o seu auge. O olhar troca-se de novo em silêncio. O magnetismo entre ambas é embriagante. Há um feitiço que paira no ar que se respira. E Lúcia sabe que só quem entende este clima se deixa fascinar por ele. A mulher teve uma atitude indiscreta, algo intimidante. A jovem entendeu-a de uma forma completamente distinta das suas colegas. Absorvida no encanto misterioso da mulher, ela entrega-se.
- ...Eu moro aqui em cima e...
- Preciso de um computador...
- E do que precisas mais?
- Preciso de ti...
As amigas de Lúcia não conseguem abrir a boca. É tudo demasiado insólito. Lúcia levanta-se da cadeira, segura nos cadernos e dirige o olhar para as colegas de turma. Elas têm dificuldade em entender o que ali ocorre, mas percebem que Lúcia está prestes a sair do Espaço, na companhia daquela mulher.

O quarto de Lúcia respira o ambiente normal de uma jovem universitária. Sozinha, aprumada e responsável, a divisão está pronta a receber as vivências da jovem. A luz do dia já custa a entrar por entre a janela com os cortinados corridos. Esbate na parede uns tons de cinzento e realça as sombras que se movem no quarto. Lúcia está de pé, nua. Não esconde o seu corpo, mesmo por entre a ténue iluminação. A sua postura está a um palmo da presença da mulher fotógrafa. Também ela de pé. Também ela nua. Frente a frente, os dois corpos deixaram para trás as roupas que as separavam. A palma da mão direita da mulher cola-se à face redonda e suave de Lúcia. Os olhares continuam a chocar, mas desta vez misturam-se um no outro. No silêncio da ansiedade, a jovem aguarda. Ela quer saber se o feitiço do Espaço não se desvaneceu.
- Sou a Luísa.
- ...Lúcia...
E os lábios ainda vermelhos da mulher colam à boca carnuda de Lúcia, sedenta de um beijo maduro. Uma das mãos da jovem envolve as costas brancas de Luísa. A outra acaricia os cabelos curtos na nuca da mulher. Os peitos esbatem-se mutuamente, os ventres roçam e a perna de Luísa embrulha-se na coxa da nova amante. O mistério continua vivo na presença da mulher. Lúcia pouco sabe sobre a pessoa que ela conheceu há pouco mais de quinze minutos, dois andares abaixo. Percepciona que ela é fotógrafa, talvez profissional. Deduz a sua idade, a partir dos contornos faciais, maduros mas ainda jovens. Desconfia da sua faceta lésbica, ainda que raramente tenha visto uma mulher galanteá-la da forma directa como ocorreu. De uma coisa Lúcia sabe. Ela deseja Luísa. Assume o deslumbramento pela face bonita da mulher. Aprofunda o conhecimento do corpo dela, nas suas formas ligeiras mas nos seios desenvolvidos, ligeiramente descaídos, no rabo firme que ela quer apertar, no pescoço que liberta um aroma apaixonante. Sim. Lúcia convence-se de que neste final de tarde, Luísa é a conquista que se segue, no quarto do 2º esquerdo.
- E as fotografias? - pergunta Lúcia.
- Queres ouvir-me ou queres sentir-me?
O convite é preciso. Não esconde nada, nem deixa rodeios intrometerem-se. O beijo prossegue numa troca de línguas, enquanto os lábios se acomodam um ao outro. Lúcia prova um sabor doce. Luísa come a macieza dos lábios fofos. As mãos das duas mulheres fabricam um abraço envolvente. É perceptível o encanto de Luísa perante o carinho intimista da jovem amante de cabelos compridos. A cama é já ali. Traz uma intimidade ainda mais assombrosa, na mistura do branco e do preto. Porque a pele de Luísa é branca. Imensamente branca. Porque a pele de Lúcia combina uma tez ligeiramente morena. E porque tanto os cabelos da jovem como da mulher se pintam de negro naturalmente. E o abraço que elas trocam em cima do colchão é a simbiose de uma sombra quente. Luísa enche as mãos com os seios volumosos da estudante. Sente as mãos dela apalparem-lhe o rabo, em caricias excitantes. Ao mesmo tempo, deixa que a boca carnuda de Lúcia invada o seu pescoço fino. Muito magro, mas com a pele hidratada. A inquilina delicia-se com a macieza e o sabor que retira da amante. A excitação dela aumenta, à medida que chupa com veemência os ombros da mulher. E quanto mais ela pensa que quer saber sobre Luísa, maior é o desejo em consumir o corpo dela. Um ligeiro empurrão faz deitar o corpo da fotógrafa. Suavemente, com tranquilidade. Ela estende-se na cama da anfitriã e sorri para ela. Lúcia embriaga-se com o sorriso da mulher. Fino, ligeiro, mas figurativo. Os traços da face de Luísa são definidos. As pestanas negras dela salientam o movimento dos olhos e toda a tenção que a mulher entrega à jovem.
- És linda, Luísa...
- Hoje sou tua...
As mãos da estudante lésbica agraciam as coxas de Luísa com carícias extenuantes. A mulher sente a palma das mãos a deslizar até tocarem nas suas virilhas. As suas pernas dilatam ao mesmo tempo que os cotovelos fincam no colchão, deixando o seu tronco levantado. Lúcia deixa cair o corpo sobre a postura da nova amiga. As mamas da jovem caem sobre a barriga de Luísa e os bicos deslizam na pele dela. A mulher liberta os primeiros gemidos intensos. O corpo dela quer libertar-se. Algo nela afirma a necessidade de encontrar algo diferente. E os seus seios descaídos, voláteis, sensuais, descobrem a paixão dos lábios femininos, sedentos de chupar os bicos entesados. Desde que encontrou pela primeira vez a presença da fotógrafa no Espaço, Lúcia apercebeu-se da firmeza dos mamilos da estranha mulher. Salientes, bicudos e sugestivos. Agora que se depara com as mamas descobertas, ela realiza a peculiaridade do peito de Luísa. Auréolas muito grandes e os bicos saídos. Parecem pequenos caroços de cereja. E colocá-los entre os dentes torna-se sublime. Luísa solta um gemido arrebatador. A mão esquerda dela procura acariciar os cabelos longos de Lúcia. O baton na boca da mulher vai desaparecendo e ela trinca o lábio inferior. A anfitriã percepciona a ingenuidade sexual da amante, bem como a confrontação com algo especial. Entusiasmada pela voz de Luísa, a jovem beija o vale húmido da mulher, acariciando os seios com a mão cerrada. Depois, aventura-se pela barriga da mulher. Um abdómen mole, muito sensível e rugoso, destoando do resto da derme corporal. Mais alguns beijos e Lúcia conquista o ventre de Luísa. Mais um gemido seco e a mulher deixa cair a cabeça para trás. Abre um pouco mais as pernas e sente os lábios cremosos de Lúcia tocarem por entre os lábios vaginais. A jovem toma conta de todas as peculiaridades dos órgãos erógenos da convidada. O clítoris de Luísa é saliente. Com a excitação proporcionada, ele parece querer saltar por entre os lábios húmidos. A mão esquerda da mulher está agora a pressionar a nuca de Lúcia, incitando-a a comer-lhe a rata. A tarde vai dando lugar à noite e os jogos de sombra vão deixando de existir. Na imensidão da escuridão, uma mulher entrega-se aos desejos carnais de Lúcia. E ela, afectivamente fragilizada e psicologicamente frenética, devora o sexo de Luísa de uma forma impulsiva. Por entre a boca que chupa os lábios grandes e a língua que penetra dentro da vagina, o clítoris da fotógrafa está preso entre os dentes meigos da jovem. Os gemidos começam a dar lugar a gritos tremidos. Os olhos redondos de Luísa fecham-se e as pálpebras macias vibram de tanta tesão. As mãos de Lúcia seguram o fundo das costas da mulher, ao mesmo tempo que a puxam um pouco mais para cima. E quando a boca da estudante já está enterrada na rata da amante, Luísa ainda empurra a cabeça de Lúcia um pouco mais para dentro. O minete é intenso. Jamais a mulher experimentou sexo oral daquela forma e Lúcia consegue perceber no êxtase do seu trabalho. Luísa vê-se e sente-se completamente molhada dentro da boca da rapariga. O seu clítoris escorrega na ponta do nariz de Lúcia.
- Ohhh!!...Lúcia!...Lúcia...Ahhh!...És poderosa!!...Ohhh...estou-me a vir...oohhh!!
Lúcia sabe o que fazer. Sabe o que quer. Entende o que precisa. Age conforme o que crê ser a melhor forma de concluir aquele momento explosivo. Pára de lamber, descola a boca da rata de Luísa e ajoelha-se em cima da cama, deixando o corpo da amante por entre as suas pernas. Imediatamente ela coloca o seu ventre diante da face da mulher. Segura a nuca de Luísa, pelos cabelos curtos e puxa a cabeça dela contra o seu sexo. A fotógrafa experimenta agora o calor e a humidade da rata da jovem, entusiasmada pelo orgasmo que Luísa ainda solta. A mulher vai perdendo força nos braços e deixa-se cair na cama, mas não deixa de querer chupar o clítoris da amiga. O seu corpo estende-se na cama e as suas mãos apalpam as nádegas da estudante. Possuída, ela entrega o último pedaço sexual de si a Lúcia, que solta um gemido apaixonante. Na rata da jovem sobrevive o derradeiro suspiro de excitação da convidada.
Já é noite. Já não há jogos de sombras. Já existe uma luz artificial que acrescenta uma nova iluminação. Às imagens de Luísa, à curiosidade de Lúcia. Deitadas na cama, as duas amantes voltam a trocar olhares, misturados entre beijos meigos, na mistura entre os lábios finos e a boca carnuda. Lado a lado, elas experimentam conhecer-se. Olhar para o corpo que têm diante de si e percepcionarem depois da consolação o que realmente consumiram. Lúcia realiza que trouxe para casa uma mulher sensual, diferente e com um perfil tipicamente lésbico. Luísa encaixa a aventura em que se deixou levar. A atracção por uma jovem desconhecida que mantém discrição quanto à sua opção sexual, acabou por confirmar-se como uma fantasia concreta. Com os corpos de lado no colchão, tanto os seios de Lúcia como de Luísa esbatem, dando uma elegância sensual ao momento. Há tempo para ter tanto. Mas a curiosidade é o que ainda resta de tanto prazer.
- Eu nem sequer sei quem tu és! - diz Lúcia num tom baixo de voz, misturado com um sorriso.
- Sou a Luísa...
- Pois, isso já eu sei, mas...
- Sou fotógrafa...Repórter fotográfica.
- Isso também eu já percebi.
- O que queres então saber?
- Porquê eu?...
A pergunta torna-se demasiado subjectiva para responder. No Espaço, a atracção foi mútua. A acção inusitada de Luísa a nenhum momento foi recusada pela jovem. E se Lúcia aceitou a fotografia e a consequência dela, não havia justificação quanto ao motivo que fez a fotógrafa escolhê-la a ela. Afinal de contas, Lúcia é lésbica, nunca o pretendeu esconder e correspondeu ao olhar. A pergunta era assim difícil de responder com coerência. Luísa levanta-se da cama. O seu corpo nu vai de encontro à mala preta que pousou junto à porta do quarto.
- Importas-te que volte a fotografar-te?
- ...Não... Mas porquê?
- Já te disse...É assim que eu falo.
A mulher retira a máquina fotográfica e depois de voltar a fazer os seus ajustamentos, senta-se ao fundo da cama, colocando a perna direita dobrada sobre o colchão. Encosta o aparelho junto à face, cerra um olho e dispara. Baixa a máquina e olha para a sua amante.
- Queres saber se costumo engatar raparigas em cafés, é isso? - diz Luísa a rir-se.
- Não!...Foi tudo muito de repente e...
- Senti uma atracção muito forte por ti... Não sei como te explicar, mas foi assim que aconteceu. Estava há meia-hora a reparar em ti...a pensar que te queria fotografar...
Luísa volta a procurar o melhor ângulo e fotografa duas vezes. Lúcia ainda continua deitada na cama. O facto de estar a ser fotografada nua parece uma sensação incómoda, mas ela não impede a acção. Ao invés, olha em direcção à lente, procurando chegar à mulher.
- És lésbica?...
- Não...Quer dizer, acho que não.
- Primeira experiência?
- Segunda. A primeira foi com a minha madrinha, dois dias antes do casamento.
- És casada?!!
- Separada...Ele saiu de casa há três semanas. Casámo-nos há um ano e meio... As coisas não correm bem desde que tive o meu filho...
Mais um disparo. Lúcia está abismada. A mulher que está nua, dentro do seu quarto, é uma história em si. Ela em si torna-se uma fotografia complexa, com um compromisso anexado. Descomprometida, talvez. Lúcia repara nas mãos da amante e na verdade, não existe aliança. É dificil decifrar alguma marca no dedo anelar. Mas está tudo a parecer demasiado confuso na cabeça dela. A mulher é sensual. Tem uma beleza invulgar e uma personalidade misteriosa, por detrás daquelas sobrancelhas negras. Faz amor de uma forma intensa. E mesmo que não se considere lésbica, procura o corpo de uma mulher como se fosse uma. Parece madura e apresenta uma ocupação fascinante. Na verdade, as fotografias estão a deixá-la ansiosa e excitada. Luísa tem tudo para encantar a jovem estudante e ela realiza essa percepção. Seria perfeito. Mas Luísa tem um filho, um casamento a meio e sabe-se lá que outras histórias. Por outro lado, ninguém se comprometeu. É apenas um final de tarde estonteante. Ouve-se outro disparo e Lúcia volta a despertar.
- Estás a pensar no quê? - pergunta Luísa - Que sou uma devassa que vai para a cama com a primeira rapariga, tendo um filho em casa?
- Não, Luísa... Não é isso que estou a pensar.
- Estás a pensar que não te poderias apaixonar por uma mulher ainda casada?
- Uhm?!...Ah..não....ah!..Hum..
- Eu falo a partir da lente, mas também ouço com a lente.
A fotógrafa é perspicaz. A jovem não consegue responder. Porque neste momento, nem ela sabe o que há-de pensar. Teve um dos melhores momentos carnais que se recorda de ter experimentado, mas também um dos mais impulsivos. E ela não quer justificar o desejo de repetir tudo outra vez com o vazio emocional que sente dentro de si.
- Estou a ser aborrecida em fotografar-te?
- Não!... Estou a adorar, Luísa... A sério...Posso ver?
- Sim, claro...
- O computador está ligado. É só ligares o monitor e encontrares a porta para o cabo.
Rapidamente, Luísa conecta a sua máquina fotográfica ao computador da amante. Lúcia já está sentada na cama, curiosa para ver as imagens captadas pela mulher nua. Após o descarregamento, começa a correr uma apresentação de slides no ecrã do computador.
- Estas fotografias tirei-as antes de te conhecer. Sim, eu sei. Falta algum sentido artistico nelas. Quando rebenta uma conduta de água nesta cidade, eu estou lá...
- E essa?
- Desculpa, já te tinha fotografado antes... Não podia deixar de captar esse ar concentrado enquanto estudas. És linda quando o fazes, sabias?
Lúcia sorri, gostando do elogio. As imagens de Luísa parecem mesmo falar. Falam com ela. Antes de encontrar a presença de Luísa, a jovem demonstra um ar cansado, algo perdido, delicadamente triste. A fotógrafa passa a imagem, alcançando a fotografia que Lúcia autorizou.
- Se te pedisse para olhares para mim assim, talvez não o conseguisses fazer...
- Se soubesse que me ias fotografar, tinha posto um olhar diferente.
- Foi isto que eu quis... Foi isto que eu desejei.
- ...Obrigada... Essas a preto e branco também estão muito boas...
O corpo nu de Lúcia. A transparência das suas emoções. A maturidade dos seus gestos. A ferida que ainda sucumbe no peito escondido. O desejo que desperta no seu ventre meigo. Em sete fotografias, Luísa espelhou digitalmente aquilo que vê na amante. E Lúcia reconhece. De tal forma, que ela deixa de olhar para o monitor. O seu corpo despido é sensual. Mas torna-se doloroso identificar um espelho. E assim, a jovem agacha-se. Envolve os braços nas pernas dobradas e encosta a testa nos joelhos. Parece querer esconder o seu corpo. Luísa ouve um suspiro e procura entender a amante. Com a máquina ligada ao cabo, ela segura-a e escolhe os melhores ajustamentos. Preto e branco. Lente próxima. Relevo às sombras definidas. Clique. Disparo. Revelação. Num simples botão, Luísa repete o processo de descarregamento, mas desta vez para uma única fotografia. Aquela em que Lúcia - a sua amante - guarda em si uma melancolia apaixonante. Essa melancolia que a fotógrafa agarrou intemporalmente. Nesse tempo em que Lúcia se fixou. Ficou. Aceitou. Entregou. Nua.

9 comentários:

Red Light Special disse...

Deste lado, 6h30 da manhã... só levantar cedo me permite dar "cá um saltinho" e matar saudades do edificio com cheiro a flores intensas. Ainda estava meio ensonada quando aqui cheguei e... lol... estou acordadíssima! Ai Magnólia como tu escreves! Este post e lindíssimo pela envolvência, pela contextualização, pelo seu início, mas principalmente pelo seu final em que Lúcia se deixa fotografar em "concha".
Simplesmente belo!...
Um beijo para ti, sempre que puder passarei por cá.

Lize disse...

Ao invés da Red Light, comentar este post vai ser a última coisa a fazer antes de desligar o portátil e ir sonhar com sabe-se lá bem o quê :P Mas falando da Lúcia e do post, sem dúvida que a fotografia é uma maneira de falar e ouvir, e é mesmo isso que faço com o meu blog... Mas tirar fotografias é ainda mais comunicativo e aliciante do que vê-las ou escolhê-las num mero site. A química entre Luísa e Lúcia é escaldante, e acho, digamos, interessante, de que de todas as experiências que Lúcia já teve, esta ter sido a mais intensa. Lá está o inesperado e o quase "proibido" a jogar com as nossas emoções... :) Beijocas

O rapaz das Confissões disse...

ausente há já algum tempo mas nunca me esqueci do espaço maravilhoso que o magnolia é...
voltei a ler e voltei a adorar.
continua pois virei sempre que possa, deliciar-me.

Shelyak disse...

E assim se continua a voar...
:)

White_Fox disse...

Excelente como sempre.
bjs

Rei Lagarto III disse...

Nada como uma vizinhança de qualidade...

Suponho que não haja nada para alugar...?

Magnolia disse...

Eu sei que a resposta aos comentários foi exageradamente tardia. Mais uma vez, as minhas desculpas por outros projectos sufocarem o tempo para o Edificio.
O próximo post está quase a chegar.

RED LIGHT SPECIAL, ainda bem que o post te conseguiu acordar. E ainda bem que o objectivo essencial foi alcançado :) Sempre que puder, haverá noticias do edificio :)
LIZE, as boas noites tardias :) sim, também considero que foi a experiência mais marcante de Lúcia. Mas não por ser a mais intensa. Por ser a mais madura, possivelmente.
beijinhos
O RAPAZ DAS CONFISSÕES, ainda bem que podemos contar contigo :)
SHELYAK, agradeço-te! :)
WHITE FOX, volta sempre.
REI LAGARTO III, ainda não há nada disponivel. Até ver. Mas mesmo que seja vizinhança de qualidade, pode ser muito invejosa e voyeur. Estarias preparado? :)

Unknown disse...

Não te zangues, pois há muito tempo que não abria um blog, o teu foi o primeiro e será o último por hoje. Vê tu que tive que procurar o último post onde tinha deixado um comentário para saber qual o último que tinha lido.
Este texto está divino e apesar do que tinha pensado fazer antes do começar a ler: "só vou ler este e vou para a cama", não resisto, vou ler mais um, pelo menos.
beijos
lua feiticeira

Magnolia disse...

LUA FEITICEIRA, naturalmente não me zango, nem ninguém aqui do prédio o faria. Estávamos era com saudades e alguma preocupação. Afinal, foi muito tempo de ausência e já são muitas as vezes em que se entra no teu blogue e...nada :) Espero que "voltes" depressa. Quanto aos comentários, para além de serem ansiados, preenchem uma lacuna neste Edifício.
Ainda bem que estes posts acompanham as insónias :)