quarta-feira

Nove menos um quarto

Publicado a 18-07-2008
- Bom dia!
- Olá!...
Há coisas que não têm preço. Há sentimentos que não podem ser contratados. Há emoções que não se encomendam num catálogo, num anúncio, num boato. Há gestos que só acontecem uma vez na vida e não voltam a ser repetidos. Rafael acorda com uma pintura genuína, única, incomparável, para sempre sua. Ana é uma mulher especial. Veste uma máscara à noite que é difícil de vestir ao vulgar humano. Despe essa mesma máscara na certeza das suas convicções. Aquilo que ela entrega ao vizinho, quando a mão percorre o peito dele despido, quando a face dela se aproxima do ar ensonado dele, quando o sorriso da jovem é um dom sublime, é a sua pessoa. Pura e crua. Sem máscaras. Porque aquilo que ela veste num dia normal, não é mais do que a riqueza da sua personalidade genuína. Completamente nua, colada ao corpo dele, Ana acorda o seu amante, após uma noite incompleta, em que adormecer na casa dele foi um passo de gigante. Ana e Rafael não são namorados. Não têm compromissos. Recusam-se a afastar-se das suas rotinas, demasiado vincadas nas suas vidas. Mas esta noite, ela adormeceu na casa dele. Ele aceitou. Comprometeu-se a acordar com ela. Ao lado dela. Junto a ela. Colado a ela. Algo mudou. Mas nem eles parecem ainda ter aceitado que mudou.
- Está a ser assim tão difícil? - pergunta ela.
- O quê?
- Acordar com companhia?
- É complicado... Quando encontro um sorriso assim...Por mais complicado que seja, é arrebatador. És linda, Ana.
- Estarias disposto a dizer-me isso todos os dias?
- Não sei... Estarias disposta a adormecer todos os dias comigo?
- Possivelmente...
- Como ontem, não é?
- Estás a queixar-te?! Vim aqui ter contigo, não vim? Toco à tua campainha, estavas quase a adormecer no sofá, faço amor contigo, tomo um banho relaxante ao teu lado, adormeço na tua cama e ainda te estás a queixar?...
- Tendo em conta que vinhas de um cliente... sim, estou a queixar-me.
- Não aconteceu nada, Neves...
- E estás à espera que isso me faça sentir melhor?!
- Porque é que estamos a discutir?... Estamos outra vez a discutir! Eu pensava que queríamos acordar juntos.
- Eu não quero discutir.... A noite de ontem já passou, já não se pode voltar atrás...
- Sim, tens razão... A verdade é que sabe bem estar aqui contigo.
- Em que sentido?
- Como assim?!... Quantas vezes acordas e podes dar tanto valor a pequenas coisas como partilhar um beijo?... Tomar o pequeno almoço a dois, sentir-te assim nu....sentir-te assim entesado....
Os seios redondos de Ana deslizam pelo tronco firme do homem. A mão dela já acaricia o sexo hasteado dele. O olhar da jovem fixa-se naquele pedaço de carne delicioso. E os lábios da amante de Neves palpitam de desejo. Ela deita-se de lado na cama e coloca a sua cabeça junto à cintura do instrutor. Os dedos tenazes da mão esquerda dela agarram o pénis com sabedoria e convicção. Os dedos delicados da mão direita acariciam as bolas do homem. A boca doce e carinhosa engole com suavidade e vagarosidade a carne que se deita sobre a língua dela. Tudo junto, demonstra-se uma dedicação saborosa na forma como Ana pratica sexo oral com uma pessoa que é tudo menos seu cliente. Rafael sabe que vai ser bom. Capacita-se de que a jovem amante desenvolve um gesto apaixonante, logo pela manhã, logo quando uma simples acção significa mais do que qualquer palavra. Ana chupa e demonstra o quanto pode dar-lhe mais. Ana come a picha dele e segura a tesão do parceiro numa degustação soberba e fundamental. Ele ergue o seu tronco e olha com mais atenção ao trabalho efectuado por Ana. Ele vê uma acompanhante a chupar. Ele sente uma amante a consumir-lhe a excitação. Mas ele também sente uma mulher devota, apaixonada, desarmada da sua máscara, desprotegida da personalidade distante que caracteriza a profissão da jovem. A sua mão direita acaricia os cabelos lisos e despenteados e algo gordurosos da amante. A sua mão esquerda segura o seio macio e meigo e puro da parceira. E nesta harmonia e equilíbrio de sentimentos, ele vem-se.
É irresistível cingir o olhar na sensual e ousada Ana. Seja como acompanhante, seja como uma comum jovem citadina e extrovertida. Rafael encostou o seu corpo para trás e apoiou o peso do seu tronco no braço, onde o cotovelo finca no colchão. Ele repara na posição que a amante dispôs, imediatamente depois dele se ter vindo, salpicando-lhe ligeiramente o queixo e de grosso modo, o peito. Repara na sumptuosidade da leveza que Ana assume, deitada de costas para cima, com o rabo suave e ligeiramente elevado - por causa da almofada onde ela colocou a cintura - a reflectir a luz matinal. Repara nos seios dela que descaem como duas gotas cheias e perfeitas e fazem os mamilos tocar levemente no lençol branco. Não consegue esconder a excitação que lhe provoca ver Ana a levantar-se da cama e caminhar confiante em direcção à casa de banho. O corpo nu, a pele límpida e brilhante, as costas sublimes, as nádegas a balançarem suavemente, a cabeça que se movimenta, só para olhar uma vez para trás. Rafael espera por ela. Não consegue deixar de se mostrar estarrecido quando a vê sair da casa de banho, com uma toalha branca a limpar gentilmente as mamas, outrora embebidas do sémen masculino. O pescoço dela está húmido, a face dela solta pingos da água que a lavou, as mãos guardam um aroma refrescante dá água que ela usou. É magnânimo, para ele, trocar um olhar intenso com Ana, enquanto ela se senta. É magnânimo vê-la sentar-se, com a maior calma do mundo, e senti-la pura e simplesmente tranquila.
- Que horas são? - pergunta Rafael.
- São quase nove.
08:45
- Quase nove?!! Estou atrasado! Tenho que ir para o clube...
- Fica mais um pouco...
- Eu não tenho a tua vida, Ana... Eu trabalho de dia... Fazemos assim, vemo-nos logo à noite. Jantamos juntos, vemos um filme e...
- Não posso...
- Não podes??!
Rafael já se levantou da cama. A falta de percepção da hora certa deveu-se ao relaxamento com que encarou esta manhã. Deve-se à abrupta mudança de hábitos matinais, que a presença feminina na sua cama provocou. Ele apressa-se em encontrar as suas roupas no armário e decidir o que coloca primeiro no corpo. Ainda nua, ainda serena, Ana mantém-se sentada na cama, com a toalha no colo, com um pé no chão e outro em cima do colchão, com o joelho dobrado.
- Já tenho um encontro marcado para as sete.
- Desculpa?! Não...repete outra vez que eu não percebi bem...
- Tenho uma pessoa que vai chegar às sete da tarde para um encontro e não sei a que horas..... quando é que consigo libertar-me...
- Estás a dizer que não podes anular um encontro?! Não és tu a tua patroa? Dá-te assim tanto trabalho cancelares...
- Eu tenho um trabalho, Neves! Exige rigor e disciplina! A minha semana já está toda organizada. Como as pessoas normais fazem. Organizam a semana. E tu pedes-me que em cima da hora altere a minha semana!...
- Não te estou a pedir para cancelares a semana toda! Estou a pedir-te que abdiques de certas coisas e te dediques a outras. Estou a pedir-te um pedaço de ti. Estou a pedir-te para ficarmos esta noite juntos e tu preferes dar prazer a um desconhecido.
- Desconhecida....
- Diz?!...
- Desconhecida. É uma cliente....
- Vai-te lixar!
- Neves...tu sabes que é isto que eu faço. Tu já estás atrasado para o trabalho e eu não posso exigir que fiques a manhã comigo.
- Tens razão, não te posso exigir que não te envolvas com outras pessoas. É perfeitamente normal....
- Eu disse-te que não ia mudar o que tinha. Eu já te pedi para mudares por mim?!....
- Adormeci contigo, não adormeci?...
- É diferente, Neves.
- Completamente diferente! Já percebi que podemos comer quem quisermos... Já percebi, Ana...
O instrutor acaba de se vestir. Entra na casa de banho e acaba os últimos preparativos, antes de seguir caminho em direcção ao trabalho. Regressa ao quarto e pega nas chaves de casa. Lança um olhar frio à jovem que se mantém calma na margem da cama. A postura dele é apressada. O olhar é cabisbaixo. Os nervos estão à flor da pele. Finalmente, ele pega na sua mochila e caminha em direcção à saída do quarto.
- Não tenho aqui um duplicado das chaves...Por isso fica à vontade, mas quando saíres confirma que a porta fechou... Até amanhã...
- Estás zangado comigo, é isso?
- Não!...Não estou zangado!...Vai lá ter com os teus clientes.
- Neves!!
- Se ainda tiveres espaço marca comigo para amanhã...Tchau!...
Sem mais. Rafael sai da sua própria casa e deixa Ana entregue a um vazio emocional a que ela se julgava imune. Magoada? Não. Triste? Pouco provável. Irritada? Jamais. Ainda assim, algo se lhe escapou por entre os dedos. E ela não consegue vestir a sua máscara nocturna a esta hora da manhã.

5 comentários:

luafeiticeira disse...

Ser+a o conto mais curto do Blog? Espero que nele esteja a promessa da noite que se avizinha: Ana, rafael e a cliente.
jocas

Anónimo disse...

adorei...mesmo.. :) São os mais reais/humanos...
Espero que fiquem juntos...

Magnolia disse...

LUA FEITICEIRA, talvez seja neste momento o post mais curto do blog :) mas adivinham-se novidades. Aguarda, pois então :) Seria inusitado, assombroso mas escaldante, uma noite entre os três. beijinhos
ANÓNIMO, ainda bem que gostaste. Volta mais vezes, mesmo em anónimo :)

Lize disse...

Parei um pouco nas minhas belas férias e vim cá comentar e ler as peripécias que ainda não cusquei.
Gostei imenso do post. Estes dois vão acabar juntos mas a dúvida é... como vai Ana fazer? Abandonar o emprego que embora diferente, é de onde vem o ganha pão dela? De certo modo até a diversão dela? Vai ser difícil vai... Mas Rafael espera pelo seu grande amor. Eu estou convicta nisso :)

Beijocas

Magnolia disse...

LIZE, boas férias? Fizeste bem em evadires-te :)
Possivelmente eles vão acabar juntos. Resta saber é como é que vão fazer isso. Apesar de ser a fonte de rendimento de Ana, não me parece que ela o veja como ganha pão. Para além disso, não tem ar de ser uma mulher que fique desempregada muito tempo. Se ela faz o que faz, deve-se em muito à adrenalina e não somente o dinheiro. Muito menos a necessidade dele.
Mas sim, parece estar dificil um consenso.