terça-feira

Seduzir também é ouvir

Publicado a 13-05-08
A noite está reservada. Programada. Delineada ao pormenor. Com pontas soltas para a imaginação e irreverência. Misturada num controlo experiente de cada momento. Embebida de vinho branco requintado. Em tons de uma iluminação ambiente sensual mas também acolhedora. Decorada com uma música de fundo extremamente clássica, extremamente suave. O cliente de Ana já entrou no apartamento da acompanhante, ciente de que estes momentos vão ser únicos. João é um homem paciente, ponderado, calculista, mas muito intimo. A sua vida conta quarenta e muitos anos. Um homem que quase se podia confundir como pai dela. Casado. Comprometido há demasiados anos. Filhos. Adolescentes numa fase confusa. Profissional. Bem sucedido numa vida que foi escolhendo. João é um homem humano. O cliente que Ana gosta de ter como regular. A pessoa que ela gosta de acompanhar, mimar, ceder aos caprichos que ele pede. Uma noite assim não custa a passar. A presença dele tem tendência a proporcionar-lhe momentos agradáveis, quase sublimes, muitas vezes excitantes. Com aquele homem, Ana não se sente prostituída.
- Já ansiava por te poder saborear....
Ana liberta o desabafo. Qualquer outro homem que contratasse os serviços de uma acompanhante de luxo iria deduzir que a jovem está apenas a cumprir o seu papel, a ser profissional. Mas João sabe que as palavras de Ana são sinceras. Fazem parte de um conhecimento mútuo que existe desde os tempos em que ela trabalhava para o clube privado. Pelo menos uma vez por mês, o homem procura averiguar a disponibilidade da jovem, tentando tornar essa marcação um momento descontraído. E só muito raramente é que Ana recusa um pedido de João. Por vezes, nem é preciso ele pedir. Ela conhece-o. Estar ajoelhada no tapete da sala diante dele, com as mãos no fecho das calças masculinas, não é uma obrigação para a acompanhante. É mesmo um desejo. Estar completamente nua, perfumada e esbelta é algo que a faz sentir-se bem na presença do homem. Se isso acontece três minutos depois dele ter tocado à campainha é porque existe desejo. Se a máscara nocturna dela não implica uma única peça de roupa no seu corpo é porque Ana gosta de o surpreender. E se ela se apressa em chupá-lo, é porque tal sentimento de posse pelo sexo dele é inevitável.
- Andei a tarde toda a pensar em tê-lo nas mãos...
Há uma demonstração clara de desejo na expressão de Ana. O seu sorriso impaciente mas resplandecente. O olhar brilhante e revelador. Ana continua a querer mostrar porque é que tantos homens desejam ser chupados por esta mulher. Ela não procura fazer sexo oral ao companheiro apenas para agradar. Não se esforça por abocanhar o pénis de um homem por uma mera questão profissional. Ela efectivamente diverte-se com isso. Esse é o segredo para que ela chupe tão bem. Esse é o truque para que os seus broches sejam tão ambicionados pelos clientes. Depois de baixar as calças, ela segura o sexo de João com uma mão, convictamente. Com a certeza de que vai ser delicioso provar a ponta, navegar a língua na pele dele, encher a sua boca com a carne voluptuosa do homem. Ele vai adorar e possivelmente vir-se com tamanha demonstração de prazer. Ela esfrega o sexo e prepara-se para o colocar na boca. O que depois fará com ele, será a sua tesão que irá esclarecer.
- Desculpa, Ana.... Não me leves a mal...Mas não quero... hoje apetecia-me falar contigo.
- Uhm?!....Claro!....Claro que sim, João....Também pode ser...Tu sabes que sou boa ouvinte.
Ana larga o pénis da sua mão. A carne já estava tesa. A boca dela já fervilhava. Mas dentro de todo o controlo e expectativa que a acompanhante pode ter de uma noite profissional, o cliente tem que ter a mínima sensação de posse. E se um dos seus clientes predilectos pede para parar, ela obedece. Sem contemplações. Antes de se erguer, ela retira os sapatos, as calças e os boxers do homem. Apenas e só para ele se sentir mais confortável. Depois, ela levanta-se.
- O que se passa, então?.... Alguma coisa te atormenta? - pergunta ela atenciosamente.
- Tu sabes o que é...
- O casamento...
- Talvez o problema seja mesmo eu... Mas na verdade, ela é que acaba por nunca estar presente. E são viagens que demoram dias, e são conferências que lhe ocupam noites e são as amigas que têm problemas conjugais....
- Mas afinal....tu sabes sempre que não é isso...
- Ela tem um amante... eu sei.... Mas por mais que eu não possa argumentar contra isso porque tenho telhados de vidro, é uma coisa que me deixa sempre a pensar.
Ana já está sentada na poltrona preta que tem na sala. Ainda nua, ela senta-se e apresenta a excentricidade ao homem que pretende afinal desabafar. João está preocupado com aquilo que lhe atormenta a consciência. Mas não nega que é deslumbrante ver a postura de Ana. Confiante, atenciosa, firme e excitante.
- Ana, a sério...lamento...eu sei que não guardas uma noite só para ouvir os desabafos de um cliente, mas...
- João... sou tua amiga... somos amigos... Melhor do que ninguém, tu sabes que eu não sou só uma foda...
- És uma óptima ouvinte... És praticamente a minha terapeuta...
- Tu é que és o psicólogo....
Há risos. Há empatia. Olhares trocados e desejos mantidos em silêncio. Ana olha para o homem, já sentado no sofá, e não desvia a atenção do sexo entesado dele. Nem ela pode negar que seria divertido dar-lhe prazer. João vai relaxando no sofá. A sua mente tranquiliza assim que se sente à vontade para libertar algumas incógnitas na sua mente. Afinal, ele é que é mesmo formado em psicologia, ganha a vida com isso e um sumptuoso estatuto social. Irónico ou não, a sua acompanhante tem a capacidade de desenvolver uma terapia surreal nos seus clientes. E como homem experiente no estudo da mente e dos seus recalcamentos, ele entende isso como nenhum outra pessoa que usufrui do 3º direito do Edifício Magnolia. A posição assombrosa de Ana na poltrona funciona como um retiro à alma do homem. Linda, com os seios firmes, macios e rijos. Os membros superiores dela estendem-se pelos braços da peça de mobiliário.
- E depois são os meus filhos.... Andam com as hormonas aos saltos e....não sei...tenho medo que eles percebam tudo e sinto que lhes posso dar um péssimo exemplo...
- Como assim?...
- Achas que eles iam gostar de saber que o pai fode outras mulheres?
- Não me estás a foder....
- Ana...tu percebes...
- Achas que eu me sinto à vontade com o facto de os meus amigos me verem como puta?
- Não deve ser fácil...
- São escolhas, João... Não estou a defender que tu e a tua mulher fazem o que está certo... E nem sou eu que posso julgar isso. Mas as coisas não podem ser tão lineares como andares a foder outras mulheres...
- Sentes que és uma puta?... Desculpa...eu sei que não gostas de perguntas pessoais....
- Sim, sinto que o sou. Sei o que sou. Nunca o neguei. Mas recuso a ideia de que o faço por dinheiro ou porque é uma solução fácil.
- Certamente...Tens sempre outras alternativas. És inteligente e cheia de virtudes. Alguns defeitos por certo. Mas falta de auto-estima não será por certo.
Por mais maturidade e confiança que pode ter na sua pessoa, Ana não pode deixar de corar com um elogio intenso, sentido e translúcido. Ela baixa o queixo e coloca os dedos sobre as coxas. As suas pernas abrem-se vagarosamente, deixando descobrir o sexo rapado e pálido. Denotam-se os lábios ligeiramente inchados, mas Ana mantém a postura.
- Admiro-te pelo que fazes.... A sério!... Não só porque me consegues dar um prazer imenso. Não só porque como acompanhante és uma fantástica conselheira, até um terapeuta com eu... E não te posso negar que me excita só de saber que me ouves....
- Estás excitado porque estou de pernas abertas....
- Porque estás aqui...e uma prostituta não faz isso. Às vezes duvida verdadeiramente que sejas acompanhante. Pelo menos que sejas minha acompanhante. Sinto-me bem aqui, gosto de te telefonar e olhar para ti, ver que estás feliz...
- Não te estás a apaixonar por mim, pois não?
- Nada disso... Seria um prazer, conseguir amar-te. Mas sei que é difícil. Sei que nem deves procurar amar, mas que és apaixonada... E isso quase que me faz inspirar.
- E entesar...
O pénis dele ganha vigor. Nem João percepciona tal facto, quanto mais controlá-lo. Porque Ana continua a fazer o seu papel. O cliente não lhe pede para ter relações sexuais. Nem sequer fez questão de exigir um fetiche que substituísse uma cópula. Ela simplesmente ouve o homem que a contratou, o que em si também faz parte da sua ocupação. Mas Ana faz mais do que isso. Torna uma conversa complexa em algo intrinsecamente excitante.
- Eu sei que um dia vais encontrar outra ocupação. Inevitavelmente vais apaixonar-te. Quando menos o esperares. E sei que vai ser difícil para ti libertares desta vida que tens. Porque eu entendo que gostes disto. É vibrante, é cheio de adrenalina, é um poder que tens nas mãos. É quase um dom.... Mas um dia vais querer ter uma família.
- E como se conta a uma família que a mãe foi uma....
- É difícil... Talvez impossível... Mas sabes, acho que te vais safar melhor do que eu. Os meus filhos irão ver-me como proxeneta, possivelmente. E nem sequer quero pensar o que acharão da mãe. Mas tu.... eu sei que irá correr bem... De uma maneira ou de outra, não importa o que a vida fez de ti, serás uma mulher muito madura. Nem que seja por ouvir homens frustrados como eu.
- Quem é que está a ter a consulta aqui?
A conversa continua. Perde-se no tempo e desenvolve-se por entre dois copos de vinho branco. João não bebe mais porque tem que conduzir, mas Ana deixa-se levar. Reflecte em cada palavra que vê sair da boca do cliente e que se incorpora no seu ouvido. Ao mesmo tempo que mantém a postura no seu corpo desnudado, sensual e escaldante, ela vagueia naquilo que a sua mente se perde. Palavras de um homem tão sensato fazem-na pensar na sua condição. Ela adora ser acompanhante, é um facto. Mas desde o primeiro dia em que disse a si mesma que queria fazer aquilo, Ana sempre teve a certeza que aquilo não irá durar para a eternidade. Talvez seja uma grande paixão masculina que a leve. Uma paixão feminina nunca está posta de parte. É possível que a exigência da sua idade a possa fazer abdicar. Ou uma má experiência com um cliente a possa obrigar a si mesma a desistir e pensar no seu amor-próprio. Quem sabe se uma proposta fascinante no mundo da representação ou num projecto do qual ela nem sequer consegue sonhar, não se coloque à frente de qualquer perspectiva. Ela vive apaixonada pela sua capacidade profissional neste ramo excêntrico e complexo. Mas todos os dias, a sua máscara diária confronta-se com uma sugestão interior que a pode fazer renunciar àquilo que ela sabe fazer melhor que ninguém. E por entre dois goles de vinho, Ana pensa no seu vizinho. É inegável que ele mexe com a jovem. Que a obriga a pensar. Que um telefonema dele a entusiasma mais do que um envelope branco. Que deixá-lo penetrar em si é uma adrenalina mais intensa do que procurar vir-se com um cliente. Que a frieza dele é incomparavelmente mais desafiante do que a distância dos homens e as mulheres que a contratam. Mas a pessoa que mora ao seu lado é crua. É calculista e egocêntrica. Uma boa foda, uma paixão inegável, mas não seria homem para casar, formar família, partilhar casa, ter filhos e envelhecer ternamente. Nem tão pouco é homem que a faça abdicar disto que ela tem. Ana é acompanhante e neste momento o cliente que a requereu julga que ela está a ouvir o seu dilema matrimonial.
- Eu sei que um dia vou ter coragem para me divorciar, para enfrentar os meus filhos e virar a minha vida ao contrário.
- Sem querer influenciar nada, eu tenho a certeza que tens uma coragem inolvidável, João.
- Com esse corpo assim, só me podes estar a influenciar... Já é tarde, Ana....
João ergue-se do sofá. Veste as calças e vai atando os sapatos. Ana mantém-se na mesma posição. O seu corpo expira sensualidade. Transborda um calor ousado. Apenas e só pela mera visão que proporciona. O pescoço humedece, tal como o vale dos seios. As mamas mantém a firmeza que realça as formas arredondadas. As pernas continuam abertas e é perceptível que a sua vagina guarda uma louca sensação de excitação. E o seu sorriso é virtuoso. Comunica com a sua companhia e dá-lhe a entender que a noite, apesar de incompleta, está a ser fantástica. João está pronto. É nesse instante que Ana se levanta e encontra a melhor forma para concluir a noite. Pousa o copo e acompanha o homem até à porta.
- Eu sei que a noite não foi como tinhas previsto. - diz ele.
- Foi fantástica. Sabe sempre bem ouvir-te.
- És divina, Ana. Por mim, podes ser sempre acompanhante, mas serás sempre uma boa amiga.
- Resolve isso com os teus filhos... Só te podes sentir bem contigo mesmo.
João abre a porta, mas antes de sair, retira o tradicional envelope branco do bolso do casaco e cola-o ao peito desnudado da jovem. Depois entrega-lhe um beijo terno na maçã do rosto. Ana respira fundo, sorri para ele e dá-lhe um beijo saboroso nos lábios. Não é agradecimento, mas é devoção. É paixão mas não é amor.

5 comentários:

Anónimo disse...

AOS MORADORES DO MAGNÓLIA
João começa por confessar para Ana que é corno. Que sua mulher tem um amante. Confessa mais para a prostituta, que tem sérios problemas com a mulher e os adolescentes filhos. Ela compreende e escuta. Escutar toda catilinária que o seu velho amigo e freguês, João, tem para lhe contar. Fato incomum entre as prostitutas esperançosas somente no envelope branco. Mas Ana não. Escuta tudo que o amigo tem para lhe desabafar. singelamente o aconselha.Mas Rafael não sai de seu pensamento. A prostituta é boa psicóloga. Sabe ouvir. João está no sofá. Só Freud para explicar o que acontece..... Uma prostituta ouvindo um casado expor os problemas domésticos e as fragilidades. Sabe que um dia vai ter que mudar de vida. Sabe que possivelmente o Neves vai ser parte do futuro, mas ouve João desabafar. Ana sabe ouvir. Ana sabe que ouvir João e compartilhar as aflições é uma forma de sedução. Sem cobrar no fim é gratificada. recebe o envelope branco. João é compreensivo e remunera o tempo da amiga. Ana está me conquistando por sua humanidade e seu diferencial de prostituta.
Moradores, vocês tem mais uma boa e digna vizinha, apesar da vida noturna que leva.
Molhados beijos para as mulheres e abraços para os homens
Julio135

Anónimo disse...

Yay! A Ana está com o seu cliente mas pensa no vizinho do outro lado do edifício, ali a uns 5 passos de sua casa. Mas é verdade, Rafael não é homem para criar família e amar uma mulher para todo o sempre... por enquanto... ;) Ele vai mudar, nem que seja por ela! Mas vá, isso eu deixo para a nossa narradora nos contar, e para os moradores cuchicharem no meio do hall do edifício ou no Espaço.
Beijocas e contínua criatividade (puxa k nao te falta! :D)

Magnolia disse...

Esta semana parece que ainda só existem dois nomeados à Menção Magnolium :)
Ainda assim, é sempre saudável contar com os comentários destes leitores.
JULIO 135, fico feliz que te estejas a envolver na personagem da Ana. Todo o perfil que traças à Ana é verdadeiro, consistente e de acordo com o que é pretendido transmitir. "A prostituta é boa psicóloga. Sabe ouvir. João está no sofá. Só Freud para explicar o que acontece..... " Fantástico!
SPICY ANGEL, contamos que para além dos moradores, sejam os vizinhos a cuchicharem e a comentarem sobre o enrodilhar desta história. Será Rafael pelo menos um homem para tentr amar? Mesmo que não seja para sempre?
Beijinhos

Anónimo disse...

Na minha solene opinião... Sim! Rafael, mesmo frio e arrogante quanto baste, um rabo de saias como tudo, é um homem que vale a pena amar... Porque o amor não ocupa lugar... ou porque é melhor dar a oportunidade do que perdê-la e suspirar depois...
Mas espero pelos próximos capítulos do meu edifício preferido :)

luafeiticeira disse...

Pois, os psicólogos já foram os padres, os barbeiros e as putas. Ana aqui é prostituta antiga, isso não tem nada de extraordinário, o que este episódio tem de fantástico é a forma como se relaciona com o antarior, a forma como o narrador dá a conhecer quem está na cabeça de Ana, isto para os mais distraídos, claro.
beijos