quarta-feira

Um Tango bem servido

Quando é dia de semana, o Espaço Magnolia começa a arrefecer o ambiente. Poucos clientes, daqueles que entram só para tomar café, às vezes comprar tabaco, outras vezes pegar uma sandes para encher o estômago. Poucos clientes, também daqueles que gostam de se alongar num bar tranquilo até à hora em que o estabelecimento encerra. Se perguntarem aos donos e aos funcionários do Espaço o motivo pelo qual mantêm o café aberto até tão tarde com tão poucos clientes, eles respondem. Até à meia-noite, algo de surreal pode sempre acontecer.
Vasco já estava a limpar a cozinha. Clarisse começou a levantar os adereços que estão colocados em cima das mesas. Mais uns minutos e as cadeiras iriam começar a ser levantadas. Nos sofás junto à jukebox ainda estavam clientes sentados. Ana vestia a máscara de acompanhante. Elegante, mulher madura e sensual. Esta noite ela traz um vestido vermelho muito fino. Cobre-lhe parte do corpo. Deixa descobrir as pernas envoltas em collants negros. Sugere as formas do seu peito redondo no decote rasgado. Transparece os seus ombros numa alça que se segura ao seu lado esquerdo. Em suma, o vestido deixa imaginar todo o seu corpo nu. Basta deixar-se levar e sentir. O seu cliente é especial. Diferente e especial. Atraente e especial. Porque Ana só aceita os serviços de homens especiais. Chamem-lhe selectiva. Ela prefere pensar em intuição requintada. Artur é professor de danças de salão. O melhor da cidade. Dos melhores que o país já conheceu. Com ascendência uruguaia, infância no pais das pampas e nómada pela Europa desde os dezasseis anos, Artur vive na cidade há dez anos. Mais do que o seu charme implicito a cada gesto que transborda, ele é intimamente especial. Ana percebeu isso desde o primeiro olhar, desde o beijo cavalheiro que ele pousou sobre a sua mão. Ainda que a vestir a pele nocturna, a jovem sentava-se no sofá enfeitiçada.
- E qual a dança que mais o excita? - perguntou ela.
- Mas é claro...um tango bem servido estimula qualquer ser humano.
O sotaque castelhano do homem é perceptivel. Acrescenta-lhe uma boa dose de charme. E nos ouvidos de Ana é como uma música de embalar. Neste caso, estonteante. O olhar entre ambos era directo. Sem rodeios. Fixava-se e intensifica-se. Como uma sedução oculta.
- Não acredito no tango.
- Como que não acredita? O tango é a dança mais erótica que existe.
- Sempre a conheci como um pensamento triste para dançar.
- Não, está enganada Ana...Alguma vez dançou Tango?
- Tive umas lições...uma espécie de lições há um par de anos.
- Você não conhece tango. O verdadeiro tango você não pode conhecer, Ana.
- Qual é esse verdadeiro tango, Artur?
- O que se dança nas ruas de Buenos Aires, como é óbvio! Aquele que se bebe nas portas dos prostíbulos. Aquele que canta pelas escadas das pensões antigas...Aquele que se deita com o desejo mais quente numa cama fria...
- Isso parece excitante...Perverso e excitante...Mas mesmo assim, não deixa de ser uma dança.
Talvez Ana quisesse provocar. O senso comum da acompanhante garante-lhe que o tango pode efectivamente ser uma dança sensual. Mas ela queria saber até que ponto. Queria elevar a fasquia que qualquer professor de danças de salão consegue dar ao aluno. Ana queria mais.
- Quer sentir uma dança? - perguntou ele.
- Sim, quero!
- Deixe-me então levá-la. Mas atenção, Ana!... Daqui em diante, você vai ficar quente. Embriagada e quente.
- Leve-me...Leve-me para essas ruas pecaminosas de Buenos Aires.
Artur pegou na mão da acompanhante. Soltava-se o charme em cada gesto. Tudo parecia encenado, tudo parecia transcendente. Ana está enfeitiçada e tem a certeza que para viver um momento assim, só a sua máscara nocturna lhe pode entregar. Transportou-a para o centro do Espaço. Por uns segundos, Ana ficou sozinha. O homem dirigiu-se à jukebox e nos espaço de um minuto escolheu a música certa. Fica a dúvida. Como pode uma jukebox num estabelecimento assim, ter um ritmo de tango? Neste Espaço, algo de surreal pode realmente acontecer.
O 3º direito tem um novo aroma. Um aroma escaldante, diferente de todos os outros que já entraram naquele apartamento. É quente, é vivo, no entanto melancólico. É perfumado, é intenso e no entanto parece chorar. Mas fervilha. No corpo de Ana ainda coberto pelo vestido vermelho sugestivo. Nas mãos de Artur que fazem bailar a sua acompanhante. E a sala de estar de Ana pode transformar-se no centro de um bordel argentino do inicio do séc. XX.
Era o som da milonga que se ouvia. Era a milonga que Artur ensinava. Era a milonga que Ana iria aprender a dançar. Os funcionários do Espaço Magnolia já tinham começado a fechar o estabelecimento. Arrumavam as cadeiras em cima das meas. Desligaram grande parte das luzes, mas deixaram um foco de luz, quase ao centro. Eles eram testemunhas daquele momento surreal que se desenvolvia entre a acompanhante e o cliente. Porque quando toca a meia-noite, tudo é normal no Espaço. Surrealmente normal. Artur segura na postura de Ana. Mágico. Algo foi transportado para um outro ambiente. Distante desta cidade, mas ainda dentro do Espaço Magnolia. Os dois bailarinos colocam-se de frente um para o outro. As pernas estão fechadas e os pés juntos. No instante em que se deu a salida, tudo era silêncio. Mas cedo tudo aqueceu. O primeiro passo manteve-os colados, mas de pernas abertas. E dai em diante, o professor mostrou à aluna que o tango se baseia em algo repetitivo. Abrir e fechar as pernas. Se ele lhe pediu intuitivamente que a aluna abrisse as pernas, é porque a intensidade assim o obrigou. Eles dançavam com o olhar. Ele lançou a marca, pedindo algo a ela. Ana percebeu e executa o movimento pedido. Artur seguiu-a e acompanhou esse gesto erótico. E no entanto, em tudo isto eles eram só um. Ana derretia-se. Apesar de ter noções básicas de como dançar, ela deixava-se levar pelas mãos e pelo tronco do cliente. Os olhares de Vasco e de Clarisse refugiavam-se sucessivamente nos passos de dança, mas o que é certo é que Ana e Artur estavam sozinhos.
Artur beija a acompanhante no centro da sala do apartamento. Cavalheiro, sedutor, implacavelmente irresistivel. Sente-se a respiração ofegante de Ana. Ela sente a mão dele deslizar pelo seu pescoço, acariciar-lhe o ombro suave e desapertar o alfinete que segura o vestido. E este cai como um lenço cortado por uma lámina fina. Tudo o que Artur faz, é suave. Ana está nua. Apenas de collants. Sem cuecas, sem nada mais que pudesse resguardar o seu corpo escaldante. Artur sabe disso desde que no café lhe segurou o rabo.
Os passos intensificavam-se. As pernas de Ana abriam-se. Artur seguia-a. Um traço longo obriga a jovem a um exercicio não perspectivado. Os sapatos de de um tacão alto e de uma agulha muito fina, fugiam ao controlo dos pés dela. O professor apercebeu-se e com a palma da mão, segurou a coxa da aprendiza e voltou a trazê-la para a posição mais vertical. Com o outro braço, Artur segurou levemente as costas dela. A esta altura, ela já lhe pertencia.
As calças dele também se dobram no chão, coladas às pernas. A perna dela está dobrada sobre a curva do braço dele. Ela sente-se mais elástica do que nunca. Sente que o tango a absorveu num mundo diferente. A rata de Ana está húmida. Abre-se bem perto do sexo entesado dele. E o tango envolve-os. Aproxima-os. Torna-os num único elemento. Sempre de pé. Tudo acontece na posição vertical. A agilidade dele impressiona. A forma como ele não move o corpo e no entanto consegue enciaxar tudo. Ana só sente o sexo imponente dele a penetrar em si, já protegido. Ana sente-o entrar no seu sexo faminto e despido. Um gemido leve, melancólico, perturbante, some-se da sua boca. De pé. Ele fode-a de pé. A acompanhante está segura ao chão apenas pelo sapta de tacão fino. Ela nunca vestiu uns sapatos assim. Ela nunca se sentiu assim. Ela não está aqui. Artur leva-a para outro universo. O pé dela arrasta-se para as costas do homem, mas ele não a deixa cair. As mamas dela chocam no peito vigoroso dele. Todo o corpo dela é desejável mas Artur fixa o olhar nela. Ana procura os beijos dele, toda a sua boca. Expõe o seu pescoço suave. E ele continua a entrar. Faz o corpo dela cavalgar de pé. A dança é extremamente louca e sensual.
O bar estava mesmo a fechar. Nenhum dos funcionários tinha coragem de chamar os clientes à razão. Porque eles estavam enfeitiçados. Dançavam por entre as mesas que já estavam arrumadas. Por entre o chão molhado. E os funcionários trabalhavam e olhavam ao mesmo tempo. Era viciante. Com a perna segura ao rabo dele, Ana sentia o seu corpo cair para trás. Artur segurava-a, mas pendia o seu tronco para cima dela. Eles eram um só. O tango deitava-os no ar. Sublime.
A paixão apodera-se do interior da acompanhante. Ele deita o seu corpo no ar. Ela finca o tacão no rabo dele, ainda com alguma desconfiança que ele a possa largar. Mas Artur não a larga. Finalmente, ele consome o peito dela. A sua boca suave enche-se com os mamilos rijos de Ana. As suas mamas dançam sobre si mesma. Ele continua a entrar nela. A perna esquerda dela mantém-se fixa ao chão. Os seus cabelos voam, quase a roçar no chão. O sexo dele incha dentro da sua rata. É uma terceira mão que a segura. Que a faz voar num pensamento melancólico. E ele continua a devorar com delicadeza os seios dela. A pele dela vibra. Exala uma atracção que ela jamais podia imaginar no inicio desta noite.
As pernas abriam-se, as pernas fechavam-se. A mão de Artur deslizava num movimento ascendente pelo corpo dela. Puxavam ligeiramente o vestido para cima. Ana sentia-se rendida. Um passo para a frente, um passo para trás. Univocamente. Ao rabo dela colou-se a mão do professor. Num movimento subtil, fez girar o corpo dela. Ana estava agora de costas para ele. Mas o par de dançarinos ainda era um só. Colava-se num abraço ousado. Artur passeou a mão no ventre da acompanhante. Insinuou a delicadeza do vestido dela. Desmascarou a sensualidade que existia no corpo dela, no seu rabo empinado. O professor pegou na coxa dela, mesmo junto às virilhas. Empurrou-a contra si deixando a mão deslizar pela perna abaixo. Empurrava-a para trás. A aluna voltou a estar assente num só sapato fino. O seu pé voltou a rodear o corpo dele, agora de costas. A acompanhante era mais do que nunca pertença do seu cliente. As persianas do café já há muito que estavam cerradas. Aquilo era um estabelecimento fechado, mas havia um enorme fluxo de vida a dançar dentro de um espaço surreal.
Ele sai dentro dela, mas tal gesto dura pouco tempo. Artur segura o corpo da acompanhante e empurra-o um pouco para a frente. Assim, Ana fixa a mão esquerda na parede e sente o sexo dele entrar novamente na sua rata. Mais uma vez, apenas sustentada por um pé no chão. É uma dança excêntrica. Intensamente insane. Libidinosamente provocadora. O corpo do cliente movimenta-se, golpeando o intimo de Ana com profundas e prazeirentas penetrações. A mão direita dele agarra o tornozelo da amante. A mão esquerda apalpa os seios dela. A sua parceira de tango entrega-se a ele. Ana geme. Agora não há retrocesso. Ela é invadida por um calor que não existe noutro lado. Apenas no mundo irreal de Artur. Como se tudo parecesse um sonho. Mas ela vive-o. E Raul é especial. Inimaginavelmente especial. O cansaço envolve o corpo de Ana. Aguenta de uma forma instável sobre o pé que faz força no tacão. Artur fode-a. Como se não houvesse mesmo amanhã e o tango fosse a derradeira maneira de sobreviver. O sexo dele baila dentro da rata da mulher. E como qualquer dança, o auge surge. Manifesta-se num êxtase supremo. Ana fecha os olhos. Jamais ela se imaginou naquela pose, mesmo para tudo o que ela já viveu como acompanhante. O seu orgasmo é um sustenido suave mas ao mesmo tempo encantador. Liberta-se ao movimento dos passos que lhe abriram as pernas durante toda a dança. A marca do professor de tango foi lançada. Ana entendeu cada sinal, cada pedido, cada desejo. Ana entendeu a magia do tango. Assim que se encosta à parede, recorda os ensinamentos desta dança. Mais do que o compasso de dois por quatro, mais do que toda a técnica existente, Ana respira os postíbulos argentinos, de putas belas mas melancólicos, de músicos bêbedos e sedentos de paixão, de camas realmente frias, com lençóis lavados mas lágrimas sujas. Quando controla a respiração, a acompanhante volta a abrir os olhos. Artur volta a girar o corpo dela, já assente sobre os dois pés. Esmaga um beijo na boca dela, como mais uma marca. Ela está rendida. O homem nunca lhe pertenceu, mas aquela dança durou uma vida inteira.
- E agora Ana, ainda tem pensamentos tristes sobre o tango?
- Estou quente!
- É normal...
- Estou a arder!...
- Estou embriagada com a sua fúria apaixonante...
- Ana...Só lhe posso dizer que o tango...come-a...
E todo o instante daquele olhar profundo e silencioso é a ressaca do tango. Para concluir a dança, há regras a ser cumpridas. Fechar as pernas, juntar os pés, com os corpos colados.
Artur já se despediu. Deixou o presente fechado num envelope branco. Deixou a puta deitada numa cama fria. Mas deixou-a encantada. Deixou-a feliz. E mesmo que Ana tivesse sido fodida pelo tango de uma maneira inesquecível, o que ela vai ficar tatuado no seu pensamento por toda a noite foi a recriação de uma rua perversa argentina. Com a noite perdida nas horas, com o candeeiro urbano a servir de foco de luz, com o passeio em pedras de calçada despido de gente, Ana e Artur voltaram a dançar o tango, após sairem do Espaço Magnolia. Cruzaram as pernas, bailaram os corpos, juntaram-se numa simbiose surreal. Porque tudo o que os irá unir, nesta relação entre cliente e acompanhante, é a paixão fervilhante desta dança. Foi meia-noite e algo de surreal aconteceu. Sublime.

9 comentários:

Unknown disse...

Devo estar com muito sono, pois pareceu-me ler que Ana e o prf de dança deram uma queca em pleno café? mas tb não vou reler porque me senti embalada pela música de tango proporcionada pelo ritmo das tuas palavras /frases. Beijos

Anónimo disse...

Magnólia,
O pano de fundo hj foi a música. Magistral. Lembrei de Gardel. Tango feito este só na Argentina, Buenos Aires. Em puteiros principalmente´.O pano de fundo mudará como tem mudado....depois virá o cinema, a pintura,a escultura, enfim ficaremos embriagados com os vinhos e vinhas...
Incansavelmente
PARABENS
Julio135

Anónimo disse...

Magnólia,
O pano de fundo hj foi a música. Magistral. Lembrei de Gardel. Tango feito este só na Argentina, Buenos Aires. Em puteiros principalmente´.O pano de fundo mudará como tem mudado....depois virá o cinema, a pintura,a escultura, enfim ficaremos embriagados com os vinhos e vinhas...
Incansavelmente
PARABENS
Julio135

Magnolia disse...

LUA FEITICEIRA, a queca não é dada no café. A dança inicia-se no café, num passado quase colado ao presente. A queca é passada no apartamento de Ana, mas sempre com base na dança que ocorreu no café.
JULIO 135, ainda bem que foi possivel transportar-te para os puteiros argentinos. Se assim foi, a missão foi cumprida como desejado. O pano de fundo poderá mudar. É normal. Quanto aos temas, só poderam ser surpreendentes :)

Francisco del Mundo disse...

Hummm! There is a song in the brodels of Buenos Aires. Is a song of passion, desire, hunger. Is called Tango!:D Artur ou Raul? Realidade ou ficção?:D ahahha

Sexhaler disse...

Como deves imaginar, este post tem um gostinho especial para mim... O Tango é...Passión.
Não posso deixar de notar que foi dançado pela minha personagem preferida.
Estou quente!
Estou a arder!...


Sublime foi a forma como o escreveste.

Beijo

Red Light Special disse...

Este post li-o ao som desta música:

http://br.youtube.com/watch?v=g2-gQpvN11A

Experimenta, ler-te a ouvir isto.
LINDO!

carpe vitam! disse...

estive a ler ao som de Gotan project na minha cabeça.

estou com o Francisco: então o Artur existe mesmo e chama-se Raul? Ou foi só um erro de raccord?

Magnolia disse...

CARPE VITAM e FRANCISCO DEL MUNDO, é efectivamente um erro de raccord. A correcção está feita, mas é Artur. :) beijinhos