segunda-feira

Trufas de chocolate em banho morno

São rotinas diferentes. Porque são pessoas diferentes. Porque viveram experiências diferentes. Ambicionam coisas diferentes. Lúcia e Tania acordam a horas diferentes. São distintas. Vivem juntas, partilham segredos, procuram conjugar as suas vivências. Mas algo as separa. No 2º esquerdo, a vida nasce às sete da manhã. Lúcia acorda e elabora todas as tarefas rotineiras de uma mulher caseira. Põe a roupa a lavar, retira os objectos da cozinha que precisa, dobra a roupa acumulada no cesto junto à máquina de lavar, pega nos ingredientes guardados no armário e no frigorifico, limpa a casa de banho, põe a água ao lume, estende a roupa na corda da janela da marquise e finalmente ocupa-se do balcão da cozinha. Tania acorda vinte e tal minutos depois das oito. Ouve-se o despertador a tocar várias vezes. Percebe-se que a jovem o desliga repetidamente. Finalmente, quando o cansaço do mesmo gesto se apodera dela, Tania levanta-se e sai do quarto. Ainda meio sonolenta, arrasta-se até à casa de banho, de cuecas brancas e uma t-shirt apertada a cobrir-lhe o tronco. Antes de lá entrar, apercebe-se da presença de Lúcia na cozinha.
- Estás a fazer o pequeno-almoço? - pergunta Tania.
- Não...Estou a cozinhar...
O pequeno almoço de Lúcia já tinha entrado à sete e um quarto da manhã. Tania é que já chega atrasada. Ela entra na cozinha e aproxima-se da amiga.
- O que estás a fazer?
- Trufas.
- Blherk...Detesto isso!
- Isso é porque nunca provaste as minhas. Estou a fazê-las para a festa de hoje...
- É preciso levar alguma coisa?
- Eles pediram para levarmos algo ao nosso gosto...Descansa, estas trufas vão em nome de nós as duas...
Tania sorri e entrega um beijo na bochecha de Lúcia, como agradecimento, por se lembrar dela. A esta hora, a amiga de Tania já está bem acordada, ao contrário dela. Enquanto boceja, ela dirige-se finalmente para a casa de banho.
- Vou tomar banho...Ligas o esquentador?
- Já está....
- És um anjo...
Lúcia respira fundo. As palavras da colega de casa soam-lhe bem. Distantes e deturpadas. Mas soam muito bem e transformam os seus lábios num sorriso divino. Tania fecha a porta e ouve-se a água quente correr. Lúcia tem tempo de verter o liquido quente numa tigela e deixar arrefecer, arrumar os ingredientes, limpar o balcão e tudo isto, enquanto a água corre livremente. A porta da casa de banho volta a abrir-se e de lá sai Tania, apenas em cuecas, olhando para a cozinha.
- Já fizeste? - pergunta ela.
- Acabei agora....Queres provar?
- Não...Já te disse...não gosto...Mas gostava que me fizesses companhia.
O silêncio regressa ao semblante de Lúcia. O mesmo processo de ideias borbulha na mente da jovem. Tania tomou o gosto de convidar a colega de quarto para a acompanhar no duche. Entre o duche da semana passada e o momento em que Tania fica especada na porta da casa de banho à espera de uma resposta, muitos acontecimentos suspeitos ocorreram. Na verdade, Tania demonstrou ter ficado perturbada com a ligeira caricia ocorrida debaixo da água que arrefecia. Durante estes dias, Lúcia tem percepcionado um outro tipo de aproximação por parte dela. Sorrisos diferentes. Conversas diferentes. Até a forma como a jovem olha para o seu corpo é diferente. Tudo isso Lúcia já percepcionou. Mas este convite continua a ser inusitado. Tania voltou a entrar dentro da casa de banho, esperando a presença dela imediatamente. Lúcia olha para a tigela cheia de chocolate e coloca um dedo no doce. Leva-o à boca e certifica-se que a temperatura é a ideal. Coloca rapidamente a tigela no frigorifico e segue para a casa de banho. Lá dentro, Tania está sentada na banheira. A água morna envolve o seu corpo um pouco acima do peito. A espuma cobre o nivel da água e a humidade cria um ambiente estimulante. Lúcia confessa a si mesma a surpresa de tal imagem. Apesar de terem ao dispor uma banheira, raramente ela a usou para banhos relaxantes.
- Entra...Não mordo.
Ela sorri. Retira o robe e vagarosamente vai-se despindo, entrando na banheira. As suas pernas habituam-se à temperatura agradável e gradualmente Lúcia senta-se de frente para a amiga. As pernas das duas mulheres tocam-se. Tania sorri. Lúcia fica com a mente suspensa na ansiedade. Ainda assim, mantém um ar calmo. Concentra-se no olhar e no sorriso da amiga. Tania brinca com a espuma e guarda alguns segundos com uma respiração mais célere. Lúcia habitua-se à água morna e molha todo o corpo. A amiga lava as mamas com as mãos, apalpando vigorosamente o seu peito.
- Quero fazer-te uma pergunta, Lúcia...
- Ainda te sentes confusa em relação ao Filipe?!...
- Não!!...Isso já tenho a certeza. Adoro isso...Lúcia...achas que sou lésbica?
- O quê?!!...
Agora Lúcia não consegue esconder o seu ar de surpresa. Fixa descontroladamente o olhar da amiga e em dois segundos olha para as partes mais sensuais do corpo da amiga. Tania larga um sorriso mas depois rodeia o olhar na espuma à tona da água.
- Vou ser sincera contigo...Aquilo excitou-me...Excitou-me muito!
- Aquilo o quê?
- A tua mão nas minhas mamas.
- Foi só um toque...Qualquer uma sentiria tesão com aquilo.
- Esta noite sonhei contigo, Lúcia...
Mais uma vez, a jovem bissexual não consegue esconder a atrapalhação com o que a amiga diz. Será que ela se está a apaixonar por si? Seria normal. Tanto tempo a morar juntas, tantas acções que partilham juntas, algumas jovens que Lúcia traz a casa, a procura de novas sensações, efectivamente o último toque no peito de Tania. Tudo isso pode modificar aquilo que Tania pudesse achar quando conheceu Lúcia. Há de facto uma verdadeira aproximação ao sentimento que ela busca. Mas até que ponto tal mudança pode ser concreta?
- E então? Achas que me estou a tornar lésbica?
- ...Não!
- Não?!...Mas...nunca tinha sentido isto.
- Tania, excitaste-te com uma caricia no mamilo. É perfeitamente normal.
- Mas eu sonhei contigo. Estavas nua e voltavas a tocar-me. E depois estava lá o Filipe e eu senti-me mal e...
- Não és lésbica, Tania. Se calhar poderias gostar de fazer amor ou envolver-te com uma mulher, mas isso não te torna lésbica. Como tu disseste, tu adoras a picha do teu namorado.
- Sim, adoro. Não a trocava por muita coisa, mas....Nunca senti isto.
- Quando beijavas as tuas amigas no secundário, não sentias isso?
- Não as beijava!
- Não? Espera lá...Tu nunca beijaste uma mulher?
- Tirando chochos à minha mãe e à minha irmã...não...nunca...
- Meu Deus!
Tania ri-se com algum descaramento, sabendo que aquilo que ela disse deixou a amiga surpreendida. Lúcia está realmente estupefacta. Medindo cada passo, sabendo que um movimento em falso pode tomar interpretações erradas, ela olha com atenção para Tania. Procura perceber o que pretende ela. Porque alguma coisa Tania pretende. Seja uma aproximação carnal à parceira de banho, seja uma justificação para o facto de ela achar que a sua orientação sexual está ser posta em causa. Lúcia flecte as pernas e arrasta o seu corpo para a proximidade da amiga. A sua face está a um palmo e meio da cara de Tania. O seu pescoço toma o último passo. Os lábios de Lúcia colam aos da amiga. Tocam levemente na carne molhada e depois chupam levemente o lábio inferior de Tania. A jovem comprometida com um homem fecha os olhos e por uns segundo bloqueia. Como se o tempo parasse. Lúcia tem o coração a palpitar. Ela anseia por isto desde o primeiro dia em que a viu. É um beijo. Sim, é só um beijo. Um beijo experimental. Um beijo quase sem sentimento. Mas dentro dela, do seu imaginário, da sua paixão, do seu intimo aos pulos. Bolas, aquilo é um beijo! Os corpos da duas mulheres estão quase colados. Abraçados. Envolvidos. A força que sugou as duas bocas em simultâneo enfraquece e os lábios descolam-se. Tania volta a abrir os olhos, impávida. Lúcia sorri para a amiga.
- Então? Ao que sabe?
- A chocolate...As tuas trufas devem mesmo ficar boas...E tu? O que achaste?
- Bem, não és lésbica. Tens uma boca saborosa. Mas não és lésbica.
- Gostava de acreditar em ti, mas ainda estou meio assustada.
- Assustada? Seria assim tão grave sentires desejo por uma mulher?
- Não...Sim...Talvez...Acho que não. Mas...eu gosto de homens Lúcia! Podes enfiar-me os dedos na rata e eu sei que vou sentir exactamente o mesmo do que se fosse o Filipe.
- Enganas-te...Como podes saber se nunca experimentaste os dedos de uma mulher?
- Eu também me masturbo, Lúcia. Acho que sabes disso...Eu também conheço os meus dedos.
- Não é a mesma coisa.
- Claro que é!
Lúcia silencia. Esboça um sorriso e procura tomar consciência da postura corporal de Tania. A jovem está algo ansiosa, mas não está nervosa. Lúcia fixa o olhar nos olhos dela. E por uns segundos, elas parecem comunicar em silêncio. Tania entende. Tania percebe o que a amiga quer. Tania envolve-se no pensamento de Lúcia. As suas pernas movem-se. Erguem-se ao mesmo tempo que o seu corpo recosta para trás. Os pés de Tania apoiam-se nas margens da banheira. Completamente aberta, Tania convida a sua colega a experimentá-la. Literalmente. Apesar de não esconder a estupefacção, Lúcia sorri, entendendo perfeitamente o que a amiga pretende. E entra no jogo. Navega a mão direita pela água morna e cola os dedos ao sexo fechado de Tania. Nunca retira o olhar da face da companheira de banho. Tania está a experimentá-la e ela simplesmente não pode recusar. Mesmo que o intuito dela pareça ser mais superficial do que o desejo puro. Depois de acariciar os lábios grandes da rata de Tania, ela coloca dois dedos dentro da vagina da amiga. Tania parece querer controlar-se. Mantém um ar sério na sua face, mas percebe-se o palpitar do seu coração. Aquele gesto fez pular o seu intimo. Vagarosamente, os dedos de Lúcia entram e saem do canal erógeno da amiga. Parece não haver sentimento no gesto. Parece ser uma atitude algo fria de Lúcia. No entanto, ela pretende dar prazer a Tania. Pretende mostrar-lhe que dois dedos dela podem fazer a mulher heterosexual ansiar por desejar alguém do mesmo sexo. E Tania rapidamente parece entregar-se. Os dedos da amiga entram bem fundo. São dedos carnudos, macios e rijos. A estimulação acontece, como seria de esperar. Mas acontece de uma forma especial. Tania ergue a cabeça, retirando finalmente a atenção do olhar da colega. Larga um gemido mas procura controlar-se. Baixa a cabeça e olha para o peito da parceira. Lúcia penetra cadentemente na vagina da mulher por quem se apaixonou. Ela própria procura não se envolver em demasia na masturbação. Afinal, nem ela sabe as conseuqências que podem advir deste banho. Mas sabe-lhe bem. E isso ela não pode negar. Encanta-se com cada gemido que Tania larga. Sorri em cada momento que percebe que controla a amiga. Vigoriza os seus gestos quando a sente completamente fora de si. Tania já não está ali. Rendeu-se às evidências. Nunca Filipe lhe tinha tocado assim. Nunca os seus dedos se puderam aproximar daquela sensação. Será a água morna? Será o sonho erótico que ainda percorre a sua alma? Ou será mesmo a convicção de Lúcia a tocar-lhe.
- Ohh...Lúcia...não pode ser...ohhh...
E quando Tania parece preparada a render-se, Lúcia pára de penetrar. Com dois dedos ainda, mas agora usando o polegar e o indicador, ela segura o clitóris rijo da colega. A intensidade de Tania está agora presa nos dedos da jovem morena. E Lúcia brinca com ela. Apenas com dois dedos. Como se estivesse a acariciar um mamilo. O clitóris pertence-lhe. A rata de Tania explode na mão da sua amiga. E agora, como é que Tania pode reagir a um sentimento tão estranho ao seu corpo e à sua mente? O braço dela envolve o pescoço da outra mulher e puxa com força a cabeça dela contra o seu ombro. Lúcia não pára. E os gemidos libertam-se aos soluços de dentro de Tania. Os seus olhos estão bem abertos, mas fixam-se num mosaico qualquer da parede junto à banheira. E quando a tempestade que brota dentro de si, debaixo de água, começa a acalmar, Tania ainda sente a respiração perdida. Lúcia retira os dedos do sexo da colega e passa a mão pela coxa de Tania. Afasta-se ligeiramente do corpo da jovem e fixa-lhe o olhar. Lúcia expõe um sorriso terno, amigo e tranquilo. Tania tem um ar algo apavorado. Parece que vai chorar. Parece que vai rebentar a rir. Parece disposta a render-se a tudo.
- Eu tornei-me na porra de uma lésbica!
- Não! Não tornaste. Só descobriste que uma mulher te pode dar tanto ou mais prazer que um homem...
Lúcia retira as duas mãos debaixo de água e envolve-as na face de Tania. Entrega um beijo terno, amigo e tranquilo na testa da sua colega de casa, enquanto ela baixa as pernas. E quando Lúcia abraça a sua amiga, há uma mudança na atitude. Ela quer separar o que foi um momento surreal, inesperadamente prazeirento para Tania. O beijo na testa confirma que tudo se dissipou. Confirma o que aquele instante não foi. Não foi paixão. Não foi desejo. Não foi uma entrega devota a um prazer que seria para sempre dela. Não. Os dedos dela dentro da rata de Tania foram uma experiência diferente. Talvez um dia possa ser mais.
- Tenho que ir trabalhar, Lúcia...
Talvez um dia as coisas possam ser diferentes. Possivelmente no dia em que Tania entender efectivamente o que Lúcia sente. Até lá, a água morna envolve o corpo dela, com a certeza de que ste momento mudou algo. Em si, mesmo que o prazer tenha sido dado. Em Tania, mesmo que ela procure recusar a intensidade desse prazer. Nas duas, o banho morno irá perdurar por quanto tempo a mente o quiser.

11 comentários:

Red Light Special disse...

Acredita Magnolia, pela primeira vez consegui sentir-me envolvida num relato "lésbico", "bi", seja o que for... foi muito intenso, muito "real".
Gostei muito, mais do que das trufas (e olha que para mim o chocolate é dos prazeres mais orgásmicos que existem.. ihihih).
:P
Beijos para ti!

Anónimo disse...

Magnólia
Este encontro inevitável das duas, foi surreal, apresentou-nos um espetáculo incrivel. Como o Felipe passou para segundo plano, como duas mulheres se reencontram, como a experiencia da Lucia dominou a inexperiente Tania, ainda sem saber do sentimento que tinha escondido... e que agora nasce de modo fulminante. Realmente este Condominio é uma caixinha de surpresas e creio que ainda vamos ver coisas do arco da velha. Já está em segundo plano descobrir o que é real e o que é ficticio.
incansávelmente repito, PARABENS.
bJS
Julio135

luafeiticeira disse...

Venho aqui apressadamente agradecer o prémio, tu não mereces esses, tu mereces todos. Parabéns para ti também. Quando tiver tempo venho ler os últimos textos, pois claro.
Beijos

Maísa disse...

De facto encontro-me perante uma escrita muito bem elaborada, que prende a atenção dos leitores até ao final.
Muitos parabéns.

Bombocaa disse...

oh..eu gostei tanto...queria que este fosse o verdadeiro...:)

Adore disse...

Não sei se esta será a real, mas que é a minha favorita, lá isso é :)

luafeiticeira disse...

Acabei de postar o final dos dalton, no meio do texto faço "publicidade" ao teu blog, espero que não te importes. Assim que puder venho ler-te.
até já

Sexhaler disse...

Ai! Tá calor aqui ou sou mesmo eu que estou a ferver?!!
Irra, mulher! Tu escreves!
Olha... Vou ali e já venho... Pode ser que entretanto a minha mente volte a formar frases coerentes!

Aiaiaiai!
;)

Beijo

Shelyak disse...

Uma bela evolução, neste andar, sem pressas, muito devagar, como se pretende que seja um conto erótico (partindo do princípio de que este não é o real).
Tão tão excitante...ai jesus!!! valhe-me nossa senhora dos aflitos!!! :))))
E adoro ler os comentários femininos...

luafeiticeira disse...

Ficamos com a certeza que prazer é prazer, não é um encontro hetero ou um encontro homossexual, prazer é ler os teus textos, este então...
beijos

Magnolia disse...

RED LIGHT, ainda bem que te conseguiste sentir envolvida. Talvez essa seja a palavra chave do que é pretendido revelar aqui. Envolver as pessoas. Mais especificamente, acho que toda a gente terá certamente um lado bi. Questões cientificas ou não, talvez todas as pessoas nascem assexuadas :) beijinhos
JULIO 135, sinceramente acho que ainda vias assistir a coisa do arco da velha. Sem dúvida. Agradeço-te pelos elogios.
LUA FEITICEIRA, sabes sempre que és bem vinda aqui. Apressada ou não. E agradeço-te o facto, de mais do que prémios ou outras "condecorações", seres uma pioneira incansavel no acompanhamento do Edificio. Isso sim, é mais importante que qualquer prémio. E sempre foi valorizado. E sempre o será.
TERNURA, ainda bem que prende a atenção. Volta sempre. Os inquilinos gostam de ser espreitados.
BOMBOCAA, nunca se sabe se não será mesmo o verdadeiro.
ADORE, idem aspas. Se há uma história favorita, só pode ser bom sinal.
SEXHALER, já se consegue fazer frases coerentes? :) Mais uma vez, agradeço-te toda a publicidade :)
SHELYAK, porque é que adoras os comentários femininos? Será porque se revela um pouco mais dos seus gostos? Tudo neste Edificio será sempre vivido vagarosamente, mas com muita intensidade.