Publicado a 09-02-2009
É uma emoção tão forte que trespassa. O coração. A alma. O corpo. O ar. É uma sensação tão imensa que trespassa. O lugar que ocupamos. O sitio onde vivemos. O mundo que nos abriga. É um pensamento tão surreal que trespassa. O que fomos. O que somos. O que queremos ser. É um estado passageiro que se enraíza nos nossos pertences. No material. No sentimental. No inconsciente. No subconsciente. E quase conseguimos vislumbrar uma outra representação de nós mesmos, quando algo tão intenso nos trespassa como esse estado. Julgar que se está a amar.
Dois copos. Vidro frágil erguido numa base que sustenta um pé. A duplicar. Gotas que caem. Gotas finas que jazem no liquido tinto. E o chão molha-se numa vagarosidade agraciada a quem se quer esconder do resto do mundo. No topo do Edifício Magnólia, a chuva de Maio cai com uma leveza praticamente redentora. No terraço do prédio, é possível avistar as nuvens carregadas a sobreporem-se a um tímido céu azul, que não se decide sobre o que quer fazer. Lúcia e Luísa partilham. Um copo de vinho tinto pousado no chão. Um olhar silencioso que não cessa. Um sorriso inebriante que as aproxima em câmara lenta, mas que as mantém separadas pela certeza do que ainda se tem. As gotas de chuva vão caindo sobre a cabeça delas, sobre os seus ombros, sobre as mãos que se pousam no colo das pernas, sobre as pernas que se dobram de forma a sentar o rabo no chão. Não está frio. Está morno. Não está desagradável. Sabe muito bem estar ali.
- Achas que um mês é muito tempo? - pergunta Luísa.
- Conheço casais que estiveram separados anos a fio. - responde Lúcia.
- Um mês é pouco tempo?
- Ainda o amas?
- Isso não chega...
- Tem que chegar... Se o amares, talvez não tenha que haver um fim...
Elas ainda continuam a encontrar-se. Conseguiram segurar algo que as mantém unidas. Lúcia confirmou que aquela mulher não pode ser uma mera aventura passageira. Parece achar que descobriu nela aquilo que precisa. Ela quer tornar Luísa no seu refúgio apaixonante. Uma mulher fascinante, fotógrafa polivalente - entre as imagens urgentes das noticias do dia e as capturas profundas a preto e branco de nus - e uma amante madura e misteriosa. Casada, sim. Mãe, sim. Fora de um contexto de mulher solteira, descomprometida... sim. Absolutamente. Mas Lúcia gosta deste fascínio. Mesmo que seja demasiado arriscado. Mesmo que só lhe possa trazer dissabores. Mesmo que se sinta a entrar numa corda bamba e que do outro lado, estivesse o amor que ambiciona. Vestida casualmente, Luísa apresenta-se no espaço da sua amante de uma forma descontraída. Como se quisesse evadir-se do seu mundo e vê-lo por outro prisma. Está sentada no chão, ciente do redor distante. Tem a máquina fotográfica do seu lado direito e o copo de vinho do lado esquerdo. Mantendo o olhar em Lúcia, ela pega na bebida e dá um trago forte.
- O que sentes tu?
- Eu?!... - pergunta Lúcia, surpreendida.
- Sim, o que sentes tu neste momento?
- Não é fácil falar sobre isso.
- Porquê?...Tens alguém na tua vida?
- Tenho-te a ti...agora...aqui...e isso sabe-me bem...
- Sim...mas...
- Achas que estou iludida?
- Não... E mesmo que estivesses... Talvez isso fosse bom sinal...
Gera-se um novo silêncio. Luísa aprecia o vinho. Lúcia pega também no copo e procura copiar o gesto da mulher. A jovem olha para a sua parceira e tenta capacitar-se do que conquistou. Como conquistou. Porque conquistou. As duas mulheres tentam entender-se mutuamente. Começou numa conversa sobre o marido da fotógrafa, mas ainda assim não é sobre isso que Luísa queria falar. Ela quer conhecer a sua amante. Saber quais os desejos e as fantasias da jovem. Desvendar o que poderá ela conceber sobre uma aventura que se vai transformando.
- Eras capaz de amar uma mulher casada?
- Eu nunca disse que te amava...
- Pois não... Mas também não disseste que não amavas.
- ...Sim...era capaz... Porque não?... Não estás casada...Estás separada...
- Tenho um filho...
- Seria possível... Só quero que saibas isso... Seria possível criar um sentimento tão forte que conseguisse suportar tudo isso.
Mais um gole, mais um espaço de tempo em que há capacidade para raciocinar. Mas o vinho é forte e a chuva vai caindo. Lúcia quer beber o vinho que a sua amante trouxe para partilhar. Mas ela apenas consegue molhar os lábios. Elas estão tranquilas, ainda que influenciadas pelas circunstâncias. As de tempo. As de espaço. As de consciência. Luísa olha fixamente para a anfitriã e parece ela própria tirar-lhe uma fotografia com os seus olhos escuros.
- Doeu muito? - pergunta Luísa.
- O quê?!!
- Aquilo que te magoou aí dentro...Doeu muito?
- Trai...fui traída... fui amante e cúmplice... E tudo isto por causa de uma única pessoa...
- Já perdoaste?
- Ainda não fui perdoada...
- ...E o que sou eu para ti no meio de tudo isso, Lúcia?
Luísa é uma mulher perspicaz. Cria atalhos para chegar ao que pretende. Mergulha no olhar da jovem com astúcia e arranca dela os sentimentos fortes, crus e violentos que estão presos dentro dela. Lúcia não é ingénua. Entende que a mulher já percebeu. A fotógrafa estará a tentar descodificar se diante de si tem uma menina que se ilude na sensação de a poder vir a amar ou se está uma mulher ferida por alguém que julgou amar e ainda não conseguiu esquecer. De uma forma ou de outra, Lúcia está no limite do seu desejo, distante das suas certezas, mas ciente do que pode ter.
- Faz amor comigo... Por favor, eu quero que faças amor comigo.
Sentada no chão, entregue a um arrebatamento voluptuoso, Lúcia pende o seu tronco para a frente, na busca de sentir a boca, a pele, o corpo de Luísa. A mulher aceita-a. Ainda com o copo na mão esquerda, escorrega o seu rabo e com essa mão, traz a cabeça da jovem para junto de si. Na chuva que cai, na quietude do lugar, na improbabilidade de alguém surgir, na indefinição do tempo previsto, as mulheres beijam-se, afirmando a convicção de desejarem os lábios mutuamente. Os braços envolvem-se. O esquerdo de Luísa envolve todo o pescoço da jovem e o direito avança pela barriga da amante. O direito de Lúcia quer aproximar a fotógrafa, puxando as coxas com força, e o esquerdo faz levar a mão até ao peito da mulher. A postura de Luísa avança ligeiramente sobre o peito da inquilina. É a sede que a move. É a efervescência que ela sente quando prova os lábios fofos de Lúcia. A jovem quer ser consumida. Quer experimentar o fervor de novidade que ainda resta em Luísa, ao assumir a aventura lésbica. Atrás da moradora do 2º esquerdo está a parede do terraço do Edifício. Serve de resguardo, de esconderijo, de refúgio inusitado e perverso para aquele desejo que agora se derrete. O beijo é forte. Pressiona as bocas, inflama os lábios e cola as línguas que se misturam no deleite de um gesto tão simples mas complexamente profundo.
- Não pares...não pares de me beijar....
Mas Luísa pára. A sua boca de lábios finos, já gastos do baton vermelho com que se apresentou na morada da amante. Beija a maçã do rosto da jovem, lambe a orelha, desviando os cabelos negros molhados. Goteja por cima dos corpos febris, mas elas não sentem. Ouve-se o ruído vindo da rua, que antecipa a hora de ponta na cidade. Sente-se uma tesão inigualável a invadir os corpos femininos. Finalmente, Luísa pousa o copo no chão, libertando a mão para cariciar toda a face de Lúcia e olhá-la frontalmente. São as mãos carinhosas da mulher que fazem a jovem voar. Estão frias mas vibrantes. Os dedos longos e finos atravessam o pescoço para o envolver e finalmente fazer colar as palmas das mãos na pele meiga de Lúcia. Um beijo doce na testa, uma sucção leve no nariz, um chupão no lábio inferior da morena lésbica. Luísa apodera-se da leveza da jovem. A fotógrafa já está no colo da amante. Põe os joelhos no chão ligeiramente molhado e sente as mãos de Lúcia deslizarem pelas suas costas. Luísa veste uma camisola castanha justa ao corpo, deixando salientar as formas sensuais da mulher de trinta e três anos. É o que está oculto por debaixo das peças de roupa da amante que Lúcia começa a querer desvendar com as próprias mãos. Quando os dedos tocam no rabo da mulher casada, coberto com as gangas, Lúcia volta a subir. Puxa a camisola para cima, ao sabor da forma como ela a beija. Porque Luísa adora beijá-la. Derrete a rapariga com beijos pelos lábios, pelo queixo, pelo pescoço. A camisola da fotógrafa vai sendo despida e a excitação aumenta. E quando ela sente que o seu peito é descoberto, ficando apenas um soutien branco a envolvê-lo, Luísa fica fora de si. A sua boca fina mas impetuosa chupa a pele do pescoço da jovem, próximo do peito e não larga. É como se o vampiro domasse a sua presa.
- Ohhh...Luísaaahh...uhmmm...estás a exc....
Lúcia já não se contém. O veneno acaba de ser expelido e ela sabe que vai deixar marca. O tom de pele ligeiramente moreno dela vai ruborizar com aquele chupão supremo. Entusiasmada pela entrega de paixão, a jovem esquece a camisola de Luísa e volta a arrastar as mãos pelo tronco da mulher. Toca-lhe na pele macia. Porque Luísa tem uma pele de menina. Muito pálida e muito gentil. Ser tocada por umas mãos meigas é uma conjunção que cria tesão em todo o íntimo da fotógrafa. Mas Lúcia quer alcançar mais. Os dedos fecham-se e agarram as calças. Com alguma veemência, a jovem puxa a peça de roupa inferior para baixo, desguarnecendo as nádegas tímidas mas sensuais da amante. Apenas a peça íntima da lingerie branca salva o rabo apertado de ficar absolutamente exposto na sua nudez às gotas de água que teimam em cair. Luísa arrepia-se. De uma forma tão intensa que fecha as mãos no peito da amante. As mamas de Lúcia são envoltas pelas palmas dos membros da mulher. E Luísa volta a beijá-la. E Luísa suga a língua dela. E Luísa aperta os seios voluptuosos da jovem com um tamanho querer, que quase rasga a camisola preta, bem decotada. Sem roupa interior, o relevo mamário de Lúcia desnuda-se e apresenta-se com imponência perante o olhar da convidada. Um sorriso abre-se no rosto terno de Luísa. O seu gesto agressivo desvendou aquele peito ansiado. Porque a fotógrafa tinha a imagem desconcertante dos seios da jovem, fixados na sua mente. Ela precisava de os olhar. De os sentir. De lhes tocar com os dedos e apertar os bicos. De envolver as mãos e vibrar com a pele sedosa. De enterrar impetuosamente a face no vale apertado do peito de Lúcia. Os gemidos da lésbica são apenas um sinal de que também ela ansiava por poder voltar a sentir a paixão de Luísa.
- Eu só te quero...ohhh...eu só te quero sentir....
Uma das mãos de Lúcia empurra a nuca da amante em direcção ao seu peito avantajado. A outra mão, aquela que está mais frenética, faz deslizar os dedos pelas nádegas da mulher. Passeiam na pele suave do rabo firme. Deslizam pela brecha apertada, ainda assim coberta por umas pequenas cuecas. Empurram o tecido puro dessa peça de roupa interior, na procura de alcançar algo mais. Mergulham na carne quente, ansiando por chegar a bom porto. E neste processo, dois dedos resistem ao espaço que é concedido. O polegar decide avançar por outro caminho. Luísa também é inusitada, atrevida, ambiciosa. Ao mesmo tempo que saboreia o deleite das mamas da jovem, ela faz percorrer a sua mão esquerda pelo corpo da amante. Lúcia ainda está vestida, mas a fotógrafa consegue sentir a leveza da carne do seu corpo. De tal forma que ela sente uma vibração a percorrer o abdómen de Lúcia. E ao chegar à cintura dela, Luísa entende que toca um corpo vulnerável. Porque o ambiente, a chuva, um pedaço de álcool frenético, a ânsia de querer aquilo que sempre se desejou, faz trespassar pela roupa de Lúcia uma sensação única, a ponto de se apoderar do seu desejo. E a mão fria de Luísa irrompe pelas calças de ganga dela, já depois de ter aberto o botão que colava a peça de roupa à cintura. Ao sentir a mão gélida e húmida da amante a envolver o seu íntimo meigo e quente, a jovem solta um suspiro, comovida pelo toque gentil mas incisivo nos seus lábios vaginais. Unidas mutuamente por um desejo manipulador, absorvidas na sensação de poderem ser divinamente tocadas, as mulheres olham-se compenetradamente. Corroem o cristalino dos olhos da parceira e invadem o seu interior. Atiram-se na profundidade do ser que lascivamente necessitam e escorregam pelos meandros desse querer. E num abraço surreal, numa simbiose transcendente, numa fundição metafísica, Luísa e Lúcia trespassam o limite do desejo. Porque depois deste olhar, elas embarcam num beijo sublime, com os olhos cerrados e com a convicção de que até acordarem, estão entregues ao instinto do tacto.
- Beija-me!... Faz-me sentir que queres ser minha....Beija-me, Lúcia!
A chuva purifica a voluptuosidade. O cheiro da cidade desperta a fantasia. A vibração dos corpos latejantes torna-as mais vivas do que nunca. No momento em que as duas amantes alcançam o orgasmo simultâneo, tanto Lúcia como Luísa sentem-se mais vivas do que nunca. Como se um rugido brotasse do mais íntimo que detém e se impusesse na necessidade de serem discretas.
- Ohhh...não pares....Ohhh...Lúcia...estás a pôr-me louca...oohh, siiimmm...aahhh...és lindaaa!
- Uhmmm...sim...és minha!...Eu sinto que és minha!...Oohhhh!!...
Porque os dedos da jovem masturbam Luísa com afinco pelo facto de o braço dela sugar toda a energia e vibração proporcionada pela tesão da sua rata. A fotógrafa movimenta três dedos finos por entre os lábios vaginais de Lúcia até ao limite. De cada vez que os tira, traz a palpitação e os sucos intensos que jorram abundantemente da vulva dela. E nesta transformação, o corpo de Lúcia é uma fonte de deleite, que faz a sua pele, os seus músculos e o seu coração vibrar com um magnetismo quase incontrolável. Assim, para além dos lábios dela que tremem compulsivamente, para além do olhar que brilha genuinamente, Lúcia sente as mãos a quererem suportar aquela excitação. É neste jeito que os dedos da mão direita da anfitriã se dividem entre a perfuração na rata da amante e a carícia com o polegar no ânus de Luísa. E tal gesto só pode deixar a mulher bissexual completamente fora de si.
Praticamente, elas não estão nuas. Decididamente, elas envolvem-se carinhosamente. Decididamente, este auge tornou-se um expoente máximo na vivência sexual e íntima de cada uma delas. Lúcia recebe o corpo da amante com carinho, com estima, com dedicação. Luísa embrulha-se no corpo quente e carnudo da jovem, com a certeza de se sentir amada, acarinhada, valorizada. Lúcia redefiniu a sua visão sobre o amor e incorporou uma nova confiança acerca da possibilidade de resgatar o coração feminino, numa mulher única e singular. Luísa redescobriu uma nova forma de procurar paixão, numa pessoa do mesmo sexo. Naquele abraço, naquelas caricias que eram trocadas, naqueles beijos repartidos entre os lábios e os seios, as mulheres guardam cada instante como eterno. Cedo Luísa tem que regressar à sua vida e esforçar-se para não ceder à tentação de dormir no 2º direito. Cedo Lúcia tem que acordar para a realidade e voltar para o seu lar, ainda vazio de algo mais duradouro. Mas até lá, existe algo de sublime na união destas duas mulheres.
- Não sei se te amo... neste mesmo instante... Mas sei que é de ti que preciso... É contigo no pensamento que adormeço e que acordo....
- E aquilo que te magoa?... Não vai interferir?
- Estás aqui comigo, Luísa... É só isso que te posso demonstrar... Estares aqui comigo é mais importante do que qualquer coisa que me pudesse ser concedida...
- Mesmo se eu voltar para ele?
- Quero que sejas feliz... Não quero prejudicar a tua vida...Se isso implica teres a tua família... Se achares que o melhor é voltar para ele....Eu irei entender. Eu irei apoiar-te... Só quero que saibas que eu continuarei aqui...
- Isso parece-me tão forte...Até para alguém tão madura como tu, Lúcia.
- Fazes-me bem...
- Acho que consigo acreditar em ti...
- Vais voltar para ele?.....
- Ainda não..... Para já, ainda não....
Luísa fixa o olhar da amante jovem. Liberta um sorriso reconfortante e prova os lábios inchados de Lúcia. Toda esta realidade parece uma fantasia imensa. A fotógrafa ainda se sente casada. Separada, certamente. Mas com um compromisso pendente. E qualquer decisão seria comprometedora a esta fase. Mas ela não quer perder isto. Não quer deixar dissipar aquele pedaço de tempo, com a mulher mais apaixonante que já teve a possibilidade de sentir, num terraço inusitado, debaixo de uma chuva mágica. Não sente nenhuma razão para abandonar aquele sentimento. Luísa quer acreditar nela, quer sentir que tudo o que está a acontecer tem uma razão de ser. Mesmo que trespasse a sensação de infidelidade. Mesmo que trespasse a ordem natural que o mundo devia seguir. Mesmo que trespasse qualquer ideia de racionalidade. A sua amante lésbica pode até estar iludida por um amor quase impossível de concretizar. Mas por um instante, Luísa quer-se sentir tão fascinada quanto ela.